Correspondência
Carta amorosa datada de 25/03/2011
Minha
petição pede a retirada ou o controle do desgoverno do meliante
canino que atende pelo nome de Menelau Reis, vulgo “Cachorrinho da
Mamãe”, pelos constrangimentos que têm causado por rebelar-se
contra o acionamento do ar-condicionado, localizado no quarto do
casal, portanto, direito apenas do casal. E não dele, que se arroga
dono do ambiente, monopolizando a atenção e o carinho por meio de
caras e bocas em uma estratégia covarde. Por se tratar de um
cocker-spaniel, de pelagem dourada, com orelhas que desabam sobre a
carinha, características que enternecem a parceira que o cumula de
benefícios como o abaixo enumerados:
a)
Dormir ao pé do casal, em cama de mola ensacada, contrariando a
própria natureza do animal e enciumando o macho alfa da casa que se
sente trocado;
b)
Ganhar mordidinha de amor, porque o cão acima referido é alvo de
tantos carinhos e o macho alfa da casa recebe apenas uma (f)ração
de amor? O pleito é de que haja isonomia;
c)
A defesa excessiva que recebe por parte de mãe e filha quando
encobertam as diabruras realizadas pelo animal e não o apresentam
para receber o corretivo merecido mesmo sabendo que o réu tem
memória temporária não podendo ser imputado pelos crimes
praticados;
d)
Os crimes praticados vão desde o delito de vandalismo – mijar no
sofá cama, que por sorte tem uma capa de automóvel para protegê-lo;
atacar a porta do quarto com unhas e dentes que caracteriza
ordinariamente o que se chama de arrombamento;
A
prática de destruição compulsiva demonstra o caráter antissocial
do indivíduo canino, impedindo sua convivência pacífica com os
demais ocupantes do imóvel. No entanto, há motivos de que ele
sozinho não poderia praticar tantos atos que infligem sofrimento e
remorso naqueles que se deparam com seu rastro de destruição
gratuita. Suspeita-se de sua participação em complô internacional
contra aquele que a casa denomina como “Marielzinho” na tentativa
de igualá-lo em condição afetiva ao “Menezinho”. O que é uma
balela, como demonstramos acima, descrevendo os privilégios que
possui o canino em questão, estando o macho alfa em situação
periclitante e desigual pede equiparação de tratamento diante das
injustiças exibidas na primeira parte desse documento.
Se
o meliante canino é cumulado de privilégios que vão desde o
direito compulsório ao ambiente de temperatura regulada ao prato
servido, com sobras de filé mignon, poderá se requerer outros
favores de natureza diversa dos que aqui vão expostos e serão
relatados e enumerados conforme a necessidade vigente do signatário.
Isto dito , passo a relacionar os outros favores.
***
A
exibição das sinuosidades corporais em lingeries compradas em
revistas especializadas pode ser um bom começo para a retratação
de descaso sofrido desde que a presença do canídeo foi sentida na
residência; sex toys acompanhados de jogos amorosos, jantares sem a
presença referida para que nenhuma intrusão ao desenvolvimento
lúdico do amor seja interrompida pela criatura nefasta serão
aceitos;
não
se admitirá comportamentos excêntricos que levem o signatário a
perder a cabeça como insinuações masturbatórias com aparelhos ou
consolos, calcinhas mínimas sensuais desfiladas em um corpo ágil e
bonito enquanto se faz a comida, principalmente vestida com o avental
da Betty Boop;
poses
extravagantes em que se revele as belezas corporais sem que se possa
desfrutá-las devidamente, promovendo apenas o enlouquecimento
temporário do signatário, privando-o dos sentidos, levando-o a se
esvair em práticas comuns do alívio solitário.
Quando
qualquer prática mencionada ocorrer, se deverá ter a conjunção
nas posições mais inusitadas possíveis para o extravasamento da
libido represada através da prática voyeurista. Será solicitado
relações no chuveiro desde que higienizado a contento, com ralinhas
eventuais nas cadeiras e pleita-se a compra de um sofá de um lugar
reclinável que atenda a necessidade de amor convencional.
O
signatário se culpabiliza pelas demonstrações de frieza e
arrogância, da falta de elegância advinda de alguns de seus atos,
mostrando desequilíbrio e contrariedade ao ser amoroso que deseja.
Pede desculpas e quer se retratar com movimentos amorosos desde o
amanhecer ao findar do dia com aquilo que assim preferir se regalar a
parte indenizada.
Sugere-se:
passeios noturnos em que a intenção velada seja amorosa e sexual,
mas que incumbido de aura romântica, possa promover o reencontro
espiritual do casal, afinizar suas idéias e dispô-los um para o
outro.
Tudo
isso exposto deverá ser realizado nos fins de semana ou quando a
filha do casal estiver dormindo em sono profundo. E com o quarto
trancado e o denunciador canídeo devidamente silenciado, dar asas à
imaginação, sempre com o cuidado de evitar sussurros e gemidos
demasiados para que não passem a denunciadores da atividade noturna
tão prazerosa de que estão acometidos.
O
signatário reserva-se o direito de pedir vestimentas apropriadas ao
deleite visual, arroga-se que ele possa beijá-la em toda a parte,
volitar com a língua em toda a flor e ser retribuído. Pede-se que
os argumentos referentes ao instrumento do signatário sejam
retirados, porque representam um impedimento ardiloso desenvolvido
pelo mecanismo psicológico de defesa para não haja cobiça da parte
tão almejada em que ele deitará a cabeça como em travesseiro e
dialogará. Diálogo travado com línguas, dentes e apertões. O
signatário não passou tantas vezes na fila. O argumento pode ser
lisonjeador, mas a frustração de práticas restritivas, de
acometimento de sinuosidades posteriores doe bastante à
sensibilidade estética e amorosa do mesmo.
Promete
o signatário cumprir a disparata fantasia já exposta e que não
será revelada aqui se, e somente se, na condição de interpelada,
pelada e no meio, comprometer-se a outra parte, aturdida, às
sandices de desejo que este vos propõe. Caso se submeta as vontades
acima expostas, deverá ser estudada uma chance da permanência do
canídeo conhecido por Menelau na casa, procurando um modo de
encaixá-lo em um regime disciplinar condizente com as atitudes já
praticadas por ele.
Sem
mais no momento, jura o signatário amor, que se não eterno,
sincero,
Mariel
Reis
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