Coxo à Eternidade?

Meu avô tinha uma filosofia curiosa: o homem nascia sem alma. E a conquistava paulatinamente através da depuração de seus pensamentos e ações. Portanto, o homem esvaziado preenchia a si mesmo com a elevação de seus atos, mirando um horizonte além de sua própria consciência, visando – ao morrer – ter completado o trabalho de restaurar-se para apresentar-se ao Criador - por inteiro, sem que nada lhe falte. A percepção de meu avô me marcou porque a humanização não era um processo desligado dos outros, ensimesmado, sem outra finalidade que não o próprio homem. Em seu método, ela deveria existir para o Outro e resultava da Travessia. Dela se desprenderia para integrar a alma que se formava. A concepção inusitada não encontrava respaldo filosófico em nenhuma corrente conhecida. Parecia saída, originariamente, das entranhas de meu avô materno. Aliás, uma outra vez aqui se revela uma característica do pensamento por ele elaborado: o homem pensava por inteiro. O pensamento não era uma atribuição cerebral apenas, mas de todo o corpo. Entre seus posicionamentos, talvez o mais excêntrico fosse a respeito do céu. A explicação científica para a cor azulada do dia ou da negritude da noite não se ligava ao comprimento de ondas derivadas do prisma gerado pela luz solar em sua viagem pela atmosfera. Ele compreendia um trançado de almas puras , fortemente unidas umas às outras, durante o dia, e à noite, conviviam as impuras que moviam-se para o dia pelo crepúsculo conforme a depuração. Lembro-me dele toda vez que penso na construção de meu próprio espírito; espero tê-la terminado para o momento de minha apresentação. Quem quer ir coxo à eternidade?



24/11/2014

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