A pobre crítica literária do Brasil
'Outro
“crítico” brasileiro desce às características psicológicas do
escritor para qualificá-lo, se demente ou tarado, melhor. Elenca uma
fieira de adjetivos gordos, evoca a vida miserável do infeliz como
para canonizá-lo'
Mariel
Reis (marielreis@ig.com.br)
Literatura não é
matemática. A crítica literária no Brasil é pobre.Exatidão,
aqui, é termo literário. Quando nada se tem a falar do sujeito ou
do livro escrito por ele, diz-se exato. Pazes feitas entre um (o
crítico) e outro (o escritor): um porque descobriu o que dizer, já
que não enxergou um palmo dentro da obra; outro, porque acariciado,
levou o elogio por ter frequentado com atenção as aulas de redação.
Ambos satisfeitos não se bicam. A mania de exatidão - a inveja das
ciências exatas -, é tamanha que a bibliografia nas teses
universitárias parece querer impregná-la de um rigor científico
verificável como a prova real. O que não é verdadeiro.
Exatidão não define boa ou má literatura. A funcionalidade da
linguagem empregada em relação ao tema tratado tornará o projeto
literário um êxito ou um fracasso. A crítica literária no Brasil
é tão pobre que regionalismo e fatalismo querem parecer mais do que
categorias onde as obras estão inscritas. O fatalismo é o travesti
cansado de ser taxado de determinista, por não gostar de comparação
com o Naturalismo, que é demodê.
Excessivo, gorduroso e
barroco, leio em determinada crítica referindo-se a um romance
recém-lançado. Coitado do Barroco! Acabou por terminologia negativa
na boca de incautos que sem outra coisa que dizer do romance,
pretendendo desancá-lo, não o enxergando completamente, metem num
saco de gatos Gregório de Matos e Antônio Vieira, tal a fragilidade
de erudição dos comentaristas de literatura de plantão na
República das Bananas. Literatura não é matemática, meus
senhores. O Brasil limita-se a dizer: escreve bem ou escreve mal tal
gajo. Se a oração tiver sujeito e verbo, congratula-se o sujeito,
cogita-se até vaga na Academia Brasileira de Letras. Pretendo, se
minha saúde permitir, escrever um livro sobre as tais resenhas que
não dizem nada. Outro “crítico” brasileiro desce às
características psicológicas do escritor para qualificá-lo, se
demente ou tarado, melhor. Elenca uma fieira de adjetivos gordos,
evoca a vida miserável do infeliz como para canonizá-lo e a meia
dúzia de borrões escritos acanalham-se de tal modo que se cria
ojeriza por eles. Este sujeito, “crítico” de literatura do país
contaminado pelo vício do autobiografismo, adora um suicida.
Potencializa a genialidade do escritor, segundo alguns mais
entendidos.
No Brasil, um livro não
vale pelo que é. O escritor precisa ser pária ou santo para somar
interesse ao que escreveu. É um culto mais à personalidade do que à
literatura. Ás vezes, o autor é culpado. Ás vezes, a crítica quer
Indiana Jones e não José J. Veiga. O que é complicadíssimo
equacionar. Não há critério para se fazer uma obra de arte. Se há
é o próprio artista que o cria no momento em que está inventando o
mundo em que quer habitar. Muitos escritores preferem cortar, o mais
é menos para eles. Se funciona, é ótimo. Outros preferem enxertar,
mais é mais para eles. O sucesso só poderá ser conferido no
produto final da operação.
Outra mania da crítica
nacional enojadora, vitimizadora da obra de Graciliano Ramos, é
taxar o sujeito de seco, comedido e enxuto. Não há outra abordagem
que não leve em consideração a psicologia e a geografia do autor
de Vidas Secas. Mesmo ponta-firmes como Joel Silveira não escapam:
tá lá. É uma merda. Sorte Antônio Cândido ter escrito Ficção e
Confissão para redimi-lo. Imagino que o cabra nascido no deserto
leve para casa de presente os mesmos adjetivos. A crítica literária
no Brasil é pobre. Somos todos pobres de espírito porque
alimentamos esses sujeitos: basta um indivíduo desses abrir um
curso, lotamos as saletas para escutá-lo. E nada, como diz a música:
“Eu presto atenção ao que eles dizem, mas eles não dizem nada”.
Reforçam os estereótipos mencionados. Outro dia, vi uma boa resenha
em jornal: um ex-professor de Teoria da Literatura mostrava como se
lê um romance.
Leitor, meu querido jovem
leitor, exerça rigor na leitura de crítica literária. Ela não
pode se limitar a dizer exato, gorduroso, excessivo, regional ou
fatalista. Deve, minimamente, instruí-los sobre a construção
romanesca, exortando suas qualidades ou vicissitudes. Não pode ser
apenas um comentário de valeu ou não valeu, como em jogo de mesa.
Querido editor, meu querido, exija pensamento no que edita. Mesmo se
o dinheiro estiver saindo pelo ladrão, não o entregue fácil ao
impostor; peça, ao menos, originalidade.
Há exceções, como em
tudo; no entanto, as exceções representam uma parcela inexpressiva.
Se os autores que a constituem fossem regra, talvez a crítica
literária brasileira encontrasse salvação.
Comentários