Cem Vezes Dalton Trevisan
Para JD
Lucas &
Delfin.
A cada um por um
motivo
diferente,
mas
ligado a literatura.
“Só a obra interessa. O autor não vale o
personagem. O conto é sempre melhor que o contista. Vampiro sim, de
almas. Espião de corações solitários, escorpião de bote armado.
Eis o contista. Só invente o vampiro que exista. Com sorte, você
adivinha o que não sabe. Para escrever o menor dos contos, a vida
inteira é curta. Uma história nunca termina. Ela continua depois de
você. Um escritor nunca se realiza. A obra é sempre inferior aos
sonhos. Fazendo as contas percebe que negou o sonho, traiu a obra,
cambiou a vida por nada. O melhor conto só se escreve com tua mão
torta, teu olho vesgo, teu coração danado. Todas as histórias –
a mesma história, uma nova história. O conto não tem mais fim que
novo começo. Quem lhe dera o estilo do suicida em seu último
bilhete.”
Acima está o bilhete do
escritor curitibano Dalton Trevisan, autor do livro Vampiro de
Curitiba, quando da entrega da Premiação Portugal Telecom 2007. É
uma exposição de princípios do contista paranaense, caracterizado
por sua habitual reclusão e aversão a entrevistas.
O leitor atento de Dalton
Trevisan perceberá que são respostas de um entrevista que abre a
obra Vampiro de Curitiba em uma coleção de
capa dura azul, da qual não me recordo a editora , talvez a José
Olympio.
Noutra premiação, esta de
2012, sendo ela conhecida como a maior distinção dada a um escritor
de língua portuguesa, isto é, o Prêmio Camões, Dalton Jérson
Trevisan tornou-se mais pessoal para o agradecimento da distinção.
As palavras, num tom emocional, pontuam a supresa do escritor "Os
muitos anos, ai de mim, já me impedem de receber pessoalmente o
prêmio", emenda “A
consciência de minhas limitações como escritor me proibiu sonhos
mais altos. E agora, sem aviso, o Prémio Camões. O prémio dos
prémios de Literatura”. E continua “Não mereço, quem sabe.
Mais não pude com as forças poucas. Não fosse indomável a língua.
Não tivesse o conto mais fim que novo começo”. O vampiro de
Curitiba se despede com a cantilena “Os muitos anos, ai de mim, já
me impedem de receber pessoalmente o prémio. Perdoe que o faça
nestas pobres palavras”.
Dalton Trevisan sabe que o
mundo das premiações prefere os romancistas. E abisma-se com a sua
escolha. Talvez, por isso, refira-se a consciência de suas
limitações por ter exercido durante quase toda a carreira o conto,
excetuando-se A Polaquinha, Mirinha, Nem te conto, João, narrativas
mais extensas do que o comum na obra do contista paranaense, embora
mantenham o rigor e a coesão interna com seus trabalhos anteriores.
Em uma conversa com o escritor JD Lucas mencionei o fato de Mirinha,
por exemplo, ter saído das páginas d’A Polaquinha.
Dalton Trevisan é um homem pacato, silencioso e discreto. Cultiva
suas amizades com as mesmas qualidades com que o descrevi. Tem o
hábito de longas caminhadas pelas ruas de Curitiba, sempre cioso de
sua privacidade. Entretanto, não costuma ignorar seus leitores,
desde que não sejam jornalistas disfarçados, dispostos a lhe
arrancar uma entrevista. Para quem o conhece sabe como preza que seus
amigos e conhecidos o preservem das especulações midiáticas e,
acima de tudo, não se promovam por privarem com ele em alguma
esfera, seja ela da vida profissional ou da pessoal.
Uma das muitas qualidades de Dalton Trevisan é a sua generosidade.
Uma faceta pouca conhecida da personalidade do autor de Pão e
Sangue. No entanto, muitas pessoas já desfrutaram dela e não
alardeiam sobre os favores recebidos vindos das mãos do contista
paranaense.
Outro fator importante. Do alto de seus oitenta e oito anos, continua
um leitor ávido. Hoje relê mais que lê, mas sempre que algo lhe
interessa o intercâmbio é feito na Livraria do Chaim, uma de suas
paradas na cidade. Nas suas releituras não podem faltar Cartas a um
jovem poeta, O apanhador no campo de centeio, A morte de Ivan Ilitch
para citar alguns estrangeiros. Entre os brasileiros, Os reis
vagabundos, Crônicas da Província do Brasil, de Manuel Bandeira.
Uma indiscrição. Um pacote chega pelo correio: um pequeno volume da
prosa de Manuel Bandeira, coligida por Antonio Carlos Vilaça.
Publicado pela editora Agir. Nele, um pequeno cartão com a
advertência “LEIA COM ATENÇÃO”.
Aos meus amigos mais íntimos, sempre me referi ao episódio como
sendo a minha premiação mais importante. O escritor Marcelino
Freire também descobriu isso
Sempre desdenhei concursos literários e afins. E para dizer a
verdade, o último a me seduzir foi a revista Granta. Cometi a
escorregadela de não tapar os ouvidos para não ser enganado.
Sem ressentimentos.
Em um de meus livros, Vida Cachorra, em uma pequena narrativa,
intitulada Ao Modo de Dalton Trevisan, faço uma homenagem ao autor
de Cemitério de Elefantes.
Dalton Trevisan, como Mario de Andrade, é trezentos, trezentos e
cinqüenta quando multiplicado por tantos personagens que desfilam
pelas páginas de seus livros. É o alto da glória estar redivivo
seja como Mirinha, Nelsinho e outros. Ou apenas como um silencioso
leitor desse grande escritor brasileiro.
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