4 poemas

George Trackl




Tateamos a urna
Em que restam
As tuas cinzas,
Juntamo-la ao
Ouvido e nada...
Voz alguma
Levantou-se
Para resposta.

O anjo postou-se
À porta, calado;
O vento gelado
Trouxe os silvos
Dos mortos e o
Delírio inevitável
Tornou harpa
O silêncio petrificado.

As folhas bailam
Mortas e o relicário
Com tuas cinzas,
Indecifrável,
Estiola-se
Perfume vândalo
De campa ardente.



O Banho




Ao longo dos braços brancos
As marcas dos meus desejos,
Todas sulcadas: pequeno riacho
Por onde escorre a água do batismo
Do meu amor tardio que se calava.

Sobre o ventre macio se formava
Uma pequena ilha onde me refugiava,
As ondas mornas partiam a cada movimento
Das suas mãos espadanando como peixes
Que invadiam as minhas madrugadas.

O esmalte da banheira em que você deitava
Os pés apoiados em sua borda como plantas,
E sua voz ensangüentada. E a água resvalava
Por seus seios, instalada como em uma varanda
Eu escrevia meus anseios em uma tábua

Tal profeta que nada soubesse sobre a tarde
Que descia discreta sobre as suas pálpebras,
E descesse à floresta submersa e de lá arrancasse
As hordas em disparada dos deslumbramentos
Refletidas em sua fronte prateada.

Ao longo dos seus bocejos esvoaçavam tranqüilos
O bando de nuvens estacionado em seus olhos,
De sua boca levemente escorriam os salmos
Dos navios desembocados na morte e lá o aviso,
Para os que escaparam de tal sorte:

“Desvia-te, ó peregrino, de terras movediças”.











ALICE




Desmonta a noite,
Com suas mãos infantis.
Recolhe as estrelas,
E arruma-as em uma caixa
Forrada de veludo vermelho.

A lua, com certo tremor,
Pede minha ajuda para colocá-la
Na moldura do espelho.

Desprende o manto negro
Presos por alfinetes no espaço,
Dobra-o e o deposita no fundo
Da gaveta do dia, repleta de claridade.

Esgarça o algodão e o cola sobre o azul
Do forro do vestido.
E, como Alice, grávida de sol,
Abre as pernas
Para que o dia amanheça.










O dia de meus anos




Para W.J. Solha

É o dia em que faço anos.
Nenhuma ou pouca importância.
Lá, no quintal, estão as crianças
E eu, aqui, dentro do quarto,
Rabisco no caderno as lembranças.

É o dia em que faço anos.
E lá fora também o devem comemorar
As coisas com nascimento remoto
Com pouca ou nenhuma consciência
Que nasceram e nada sabem do ciclo
De crescer, amadurecer, ter filhos,
Morrer confinado em lembranças

De um distante domingo,
Com amigos na varanda. Discutíamos
Heráclito, Píndaro e Ovídio
E não nos molhávamos mais no mesmo rio
Que um dia nos banhara em nossa infância.

E não nos afligíamos.

É o dia em que faço anos.
Costuma-se celebrar o antigo,
Aquele que mais tempo leva a desgastar-se
Aquele que o tempo não tem como inimigo
E passa os dias a juntar-se do que foi vivido.

É um dia de celebração, enfatizam os filhos.
Cercado pelas fotografias amarelecidas,
Constato que outro me habitava tão diferente...
Mas será comigo reduzido a nada
Nesse tempo tão presente.

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