Internacionalização
A revista Sexy picotada sobre a mesa. Vários cartões postais da cidade do Rio de Janeiro acompanhando os recortes. A montagem se dá por mãos hábeis, americanas, que descrevem a cidade como um paraíso para o pecado. Para a internacionalização do pênis. Insistem que este é o único tipo de turismo que interessa nos países de terceiro mundo. Ou, como queiram, países em desenvolvimento.
Acertam um par de seios cortados por um canivete multiuso; é o Sol encimando o Pão de Açúcar. Oswaldo de Andrade já havia se referido ao morro como um seio que o céu suga. Portanto, a erotização da paisagem não é novidade nenhuma. Se não fossem americanos comuns, trabalhadores braçais que tem sorte com sua moeda levando vantagem na balança comercial, talvez fossem tomados por artistas plásticos irreverentes. Tratam de colar parte do corpo de Ana Saad em um postal de Copacabana, como se as nuvens e todo o céu contidos naquela nesga de carne flutuante testemunhassem uma conquista. Rabiscam algumas palavras acaloradas aos companheiros que não puderam realizar a viagem ao paraíso.
Paraíso. É como um deles se refere ao Brasil, e mais especificamente ao Rio.
Divertem-se com a facilidade com que as mulheres brasileiras se atiram, ponderam que esta atitude representa para a maioria delas uma chance de resgate, de ascensão social e econômica. Ridicularizam a prostituta que saiu há pouco para o banheiro, trocadilhos sobre casamento e cruzamento saem naturalmente em uma descontração monstruosa. A prostituta volta do banheiro, com a saia ainda mais reduzida, as coxas fortes e morenas à mostra, os olhos esverdeados pela lente e o longo cabelo encaracolado de implante. Seccionam mais a revista Sexy. E outra parte do corpo de uma das modelos gruda-se com a fita durex a outro postal da cidade. Riem. Estão hospedados em um hostel em Botafogo, na “Rua Farani, bem perto da praia”, enfatizam.
Pedem o almoço. Convidam-me para acompanhá-los na refeição. São de lugares como Detroit. De subúrbios insossos e quentes. Aponto para a prostituta e questiono quem a levará para se casar na América. Muxoxos, desânimo e olhares de desprezo para a mulher que não concorda com que minhas perguntas tornem a platéia descontente e denuncie seu desespero. “Filhos americanos de mães americanas” sentencia um deles, mais expansivo do que de costume. “Bastardos, não, fora”. Outro emenda: “Mesmo que não sejam tão gostosas quanto essa mulata!”. Ela, a prostituta, aprova e ri. Toda a tarefa de corte e recorte da revista concluída.
A simbiose da cidade com a carne das modelos confirma nossa vocação para a exportação. O repasto é realizado entre piadas e comentários sobre a estadia; desgostos pela data próxima da partida, da não industrialização de artigos sob medida - como aquela morena - para uso e consumo imediato. A despedida demora-se mais do que o esperado. Peço para fotografá-los ou pelo menos aos postais que sofreram intervenção. Negam. Permitem apenas que leia a advertência feita a um amigo que não pode estar ali com eles. “É mesmo uma pena, ainda mais para um depravado como você” estava lá, escrito. “Aqui é a Cidade do Pecado” - assentiram todos.
Sem culpa. Sem autopunição.
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