Modos Refinados de Controle



“O facebook é uma máquina de espionagem fantástica”, declarou Julian Assange, da Wikileaks, acusado por divulgar documentos americanos sigilosos. A afirmação causou embaraço entre os usuários da rede social no Brasil, logo superado pela ironia com que o assunto foi tratado pelos beneficiários, virando piada sobre os possíveis interesses das agências de inteligência ocupadas em monitorar as discussões dos participantes, levando-se em conta a relevância do que ali é abordado.

Por parecer dispare, pretensiosa ou fantasiosa a sentença de Assange acerca da rede social, esta reflexão nos conduz a outro pensamento, produzido pelo filósofo francês Michel Foucault, derivado do livro de sua autoria Vigiar e Punir, sobre a rastreabilidade dos cidadãos que o Estado precisa promover para mantê-los sob vigilância, controlar seus atos e domesticá-los para que suas paixões não representem prejuízo à convivência em sociedade. Se encararmos dessa maneira, o que foi dito pelo fundador da Wikileaks, encontraremos um sentido claro para suas palavras respaldados na teoria de uma sociedade policialiesca, amparada por diversos modos de exercer sua coerção através não apenas de seus órgãos oficiais – utilizando-se de outros artifícios para ampliar seu estatuto de controle sobre todos nós. E a sedução que a era virtual faz sentir, torna menos árduo todo o trabalho, porque todos nós queremos estar incluídos, desejamos ser parte das transformações ocorridas no mundo – quais exatamente, não temos ideia – e , segregados em baias em lan house ou reclusos em nossas casas, se cumpre mais um desígnio proclamado por Foucault, inseridos em uma nova sociedade disciplinar, que nos divide para melhor nos fiscalizar.

A profunda divisão originária disto, que nos livra da presença incômoda do outro, porque através da rede podemos suprimi-lo, ignorá-lo, mudar nosso status para que não sejamos percebidos, e, portanto, importunados por aqueles que julgamos muito diferentes de nós, encerrando qualquer possibilidade de diálogo com a dissemelhança, compartimentando-nos voluntariamente entre nossos iguais, limitando nossa força, impedindo a troca de experiências que fermentariam em novas ideias que nos moveriam de nosso status quo. Portanto, uma distância muito maior nos separa hoje, mesmo alardeada nossa proximidade como quer nos impor crer a globalização.

O impasse proveniente dessa discussão é como se utilizar dessas ferramentas? Não fazer uso dessas facilitações? Voltarmos ao fax, telex e afins? Engessados pela paranoia produzida por tantos filmes sensacionalistas sobre sociedades que aspiram ao comando do mundo, não estaremos reféns de toda mitologia supersticiosa produzida por Hollywood? Com que interesse os americanos investem em boatos como esse? Esboça-se uma resposta tímida que é a seguinte: a suspensão de nossa vontade como ação transformadora, porque se cada um de nós é também um inimigo, um representante da manutenção do poder, reproduzindo as relações tensas de força exercidas pelo Estado, como atingir um estado revolucionário ou transformador?

Talvez Julian Assange tenha razão, em algum grau, com sua especulação, se a música nos inquire – Quem é o inimigo? Quem é você, desprezando que as autoridades possam a qualquer momento com mandato judicial solicitar os dados de seja lá quem for, o politicamente correto nos tornou bastiões dessa nova mentalidade que não necessita do aparato repressor para exercer seu controle, porque tem em cada um de nós um reprodutor de ações que de tão repetidas parecem naturais, quando na verdade são malévolas representações sociais que se destinam a execrar o diferente e tê-lo sob constante fiscalização.

Foucault crê que a única maneira das resistências se transformarem em lutas sociais eficazes, é questionando os regimes de verdade e as formas históricas de racionalidade, se possível alterá-las, não apenas em seu estatuto jurídico. O curioso é que segundo algumas informações biográficas sobre Julian Assange, sua mãe o manteve fora das instituições escolares, porque temia que ele se tornasse subserviente às autoridades. Não parece tão casual sob essa perspectiva a polêmica frase dita por ele, parece?



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