Apontamentos Críticos Sobre Premiação Literária
"Um escritor, quando muito premiado, fica inútil" Trecho de conversa com Anderson Fonseca.
Caro Ronald,
A necessidade de distinção é um reflexo de um binômio incômodo – entre aquilo que é normativo e o que não é. O que é normativo exorta-se para que seja emulado e o que não é sofre alijamento do convívio, é deposto, é colocado nas sombras. O condicionamento para que o normativo prossiga seu caminho na sociedade é visível através das práticas institucionais, nos desdobramentos de suas ações para que o indivíduo não se afaste do seu papel no pacto social, não quebre as regras do contrato, porque senão terá que cumprir as sanções provenientes do ato cometido.
O progresso caminha melhor através dos passos dos obedientes, dos passivos, daqueles que não se desviam do discurso socialmente aceito, dos que permanecem na aparência, endossando nossa inclinação pela superfície e aprová-la é internalizar o conceito de semicultura em que nos tornamos menos que técnicos e mais que máquinas por ainda possuirmos uma vontade. Até quando? É uma resposta cada vez mais difícil, pela automação imposta pela indústria de consumo.
A minha reflexão deriva da necessidade de se pensar se a premiação não é um modo de constituir o premiado segundo o discurso do que se acredita correto dentro de uma elaboração dos métodos de uma ciência, portanto, quando se premia algo ou alguém dentro de um campo do conhecimento, se laurea segundo um discurso oficial a partir do que é concebido sobre a realização do que se recompensa e não pelo valor intrínseco e menos subversivo desencadeado por aquilo que foi criado. Dessa perspectiva, aquilo que é premiado resulta em uma das facetas de poder do discurso hegemônico, mesmo quando em parte encerre discordâncias.
Digo em relação às premiações literárias, porque as instituições que promovem tais concursos são prolongamentos de um modo ou de outro do Estado e de seus melhores representantes; porque serão eles que irão julgar aquela que investida do poder de distinção, funcionará como gramática expositiva de como deve se comportar uma obra literária para que obtenha reconhecimento, de quais valores deverá ser portadora e como operará para acessar os canais para que em outra oportunidade reflita os mesmos valores distintivos e seja escolhida.
Desse modo, o escritor laureado é uma espécie de procurador, de um normatizador no campo em que se encontra a favor de um soberano – as instituições do saber - e não surpreenderá se ele se esquivar de tocar em seu fazer literário nas mazelas de sua realidade, porque não irá contrapor sua voz à orientação obtida, que o recompensou com a distinção entre seus pares.
Os escritores premiados são os modelos que deram certo segundo a especificidade de um tipo de discurso hegemônico vigente. E aquele que não se distinguiu tem algum problema. Está fora da normatividade exigida para que se adentre a fama e/ou ao seu arremedo. A ordem é dançar conforme a música. E, por favor, quem não conhece os passos, para fora do salão.
Texto resposta ao do autor Ronald Augusto publicado na revista virtual Sibila intitulado Prêmios Literários.
Comentários