Meus Três Leitores
A minha sorte não termina em estar publicado em tantas revistas. Talvez seja uma indicativo de qualidade, mas esta virtude não existiria se não contasse meus três leitores de confiança. Não sei quanto sofrimento infligi a este seleto grupo que apresentarei nesse espaço para conhecimento do pequeno público que me visita. Não é que outros não existam, porque existem, mas sabem me evitar. Tiram o telefone do gancho, ignoram meus e-mails, desviam-se dos meus escritos como Satanás foge da cruz e do julgamento final.
O primeiro dos meus leitores é Antônio Dutra. Chamarei a todos de Cristos pela paciência com que me devotam sua leitura, análise e críticas. Então, esse é o primeiro leitor. E não é verdade isso, porque disparo ao mesmo tempo o e-mail contendo o texto tanto para ele quanto para o Vinícius Jatobá. O que dificulta saber quem é o primeiro leitor.
Outro leitor é o Vinícius Jatobá. O cara tem altura de um jogador de basquete, isso é uma verdade. Quando estou ao seu lado, caminhando em direção ao nosso ponto de encontro – o Amarelinho da Glória – me sinto um tampinha. A minha estatura não me favorece quando estamos lado a lado. É um escritor com artifícios requintados, leitor minucioso de obras alheias, e, crítico mordaz dos medíocres. Tudo isso com uma segurança, conforto e ironia. Porque às vezes desconfia de si mesmo, mas tem dificuldade em voltar atrás, reavaliar sem se auto-punir. A primeira vez que o escutei, jurava que estava diante alguém genial. E estava. Genial e genioso – porque se existisse um título para o cara que mais reclamasse sobre as condições insalubres dessa nossa pobre literatura, ele disputaria comigo o primeiro lugar. É um dos homens mais inteligentes que conheci. Ele me convence a rescrever quase todos os meus textos – então quando Dutra e ele se unem, conseguem até que eu anule minha cédula eleitoral. Escreve resenhas brilhantes para os jornais. Talvez se tivesse que falar de inveja – isso se restringiria aos artigos sobre os livros a que dispensou tempo escrevendo para os cadernos culturais. Em um destes casos está a resenha realizada para o livro de Doris Lessing – guardo o recorte como uma relíquia. A minha ambição é que um dia seus comentários particulares sobre meus textos se transformem em uma dessas críticas que ele costura tão bem a alma e a intenção do escritor naquelas palavras derramadas sobre o papel. É outra falha dos editores deixá-lo sem um livro publicado, e, uma distração perigosa para os jornais cariocas suas portas fechadas para uma visão lúcida e incisiva.
O terceiro leitor – minha esposa Aurea. Deste é impossível escapar com vida. Porque me ataca os nervos as inúmeras observações riscadas ao longo dos cadernos de que disponho para escrever. Corrige, altera, anula, rescreve – como se isto fosse minha tarefa secular, anterior até ao matrimônio. É uma inteligência aguda, com percepção para os efeitos que as palavras sugerem e impõem. Se fosse uma escritora seria melhor do que eu em muitos aspectos, não teria a minha pressa, não se precipitaria tão facilmente quando as coisas apertassem, com as dificuldades à tona. É uma mulher geniosa, briga muito comigo por causa dos meus textos, quer alinhá-los como se fossem a uma festa de gala, com a melhor roupa, cortada com ajuste e apuro. Às vezes brigas feias acontecem. Trechos que ela não tolera, meu ingênuo olhar admira como criança vendo bala em venda. Então a reprimenda – vê se emenda e tira isto, porque está uma merda. Eu fico zangado, bato o pé, faço beicinho. Tudo isso na primeira hora. Depois a birra amainada, olho o trecho, reconsidero e corto o troço. É minha coisa mais valiosa hoje – e me atura os chiliques criativos, aqueles ataques das almas sensíveis que Oscar Wilde se dava o direito.
É uma barra aturar um cara que tem tantas dúvidas e rescreve tanto quanto eu. Se a coisa não anda lá como previ, arrumo o texto, envio. Percebo outra alteração, resolvo o troço, mudo um adjetivo, corto um trecho, envio novamente. E assim caminha a humanidade.
Meu agradecimento sempre pelo amor e amizade com que me devotam sua leitura.
O primeiro dos meus leitores é Antônio Dutra. Chamarei a todos de Cristos pela paciência com que me devotam sua leitura, análise e críticas. Então, esse é o primeiro leitor. E não é verdade isso, porque disparo ao mesmo tempo o e-mail contendo o texto tanto para ele quanto para o Vinícius Jatobá. O que dificulta saber quem é o primeiro leitor.
Antônio Dutra é um dos promissores escritores dessa nova geração. É um cara com rosto alongado, óculos, gestos contidos e uma sorte danada em relação a premiações. Ganhou uma bolsa de literatura cobiçada na FLIP com romance Mata-cavalos, e, outro prêmio latino-americano com Dias de Faulkner. É um ótimo escritor, pena que tão pouca gente saiba disso – esse comentário é para os editores que porventura tomarem contato com essa minha nota. Dutra me permite compartilhar de sua amizade e consideração, lê com atenção meus escritos, reclama quando acha algo indigno, mas se emociona quando a coisa está certa e atinge o nível ficcional ambicionado. É um homem moderado – é uma índole conciliadora, diplomática e agregadora. Talvez se tivesse filhos fosse bom pai, porque é um bom ouvinte, não se exalta nunca – ou não transparece sua exaltação – e, melhor, o Dutra é a discrição em pessoa. O que me choca muito. Porque às vezes exagera nessa qualidade, quando nos priva de ler o que escreve. Lembra muito aquela avó que guarda as sete chaves o segredo de um bolo que aprendeu com os antepassados, retardando sua escolha,antes de morrer, para quem deixará a fórmula que faz a massa ficar tão macia. Eu muitas das vezes peço aos amigos comuns para conseguirem um texto dele para ler em casa, escondido, com medo de que um esquadrão invada minha residência em busca do escrito, realizando minha prisão pela posse indébita de um documento sigiloso do estado.
Outro leitor é o Vinícius Jatobá. O cara tem altura de um jogador de basquete, isso é uma verdade. Quando estou ao seu lado, caminhando em direção ao nosso ponto de encontro – o Amarelinho da Glória – me sinto um tampinha. A minha estatura não me favorece quando estamos lado a lado. É um escritor com artifícios requintados, leitor minucioso de obras alheias, e, crítico mordaz dos medíocres. Tudo isso com uma segurança, conforto e ironia. Porque às vezes desconfia de si mesmo, mas tem dificuldade em voltar atrás, reavaliar sem se auto-punir. A primeira vez que o escutei, jurava que estava diante alguém genial. E estava. Genial e genioso – porque se existisse um título para o cara que mais reclamasse sobre as condições insalubres dessa nossa pobre literatura, ele disputaria comigo o primeiro lugar. É um dos homens mais inteligentes que conheci. Ele me convence a rescrever quase todos os meus textos – então quando Dutra e ele se unem, conseguem até que eu anule minha cédula eleitoral. Escreve resenhas brilhantes para os jornais. Talvez se tivesse que falar de inveja – isso se restringiria aos artigos sobre os livros a que dispensou tempo escrevendo para os cadernos culturais. Em um destes casos está a resenha realizada para o livro de Doris Lessing – guardo o recorte como uma relíquia. A minha ambição é que um dia seus comentários particulares sobre meus textos se transformem em uma dessas críticas que ele costura tão bem a alma e a intenção do escritor naquelas palavras derramadas sobre o papel. É outra falha dos editores deixá-lo sem um livro publicado, e, uma distração perigosa para os jornais cariocas suas portas fechadas para uma visão lúcida e incisiva.
O terceiro leitor – minha esposa Aurea. Deste é impossível escapar com vida. Porque me ataca os nervos as inúmeras observações riscadas ao longo dos cadernos de que disponho para escrever. Corrige, altera, anula, rescreve – como se isto fosse minha tarefa secular, anterior até ao matrimônio. É uma inteligência aguda, com percepção para os efeitos que as palavras sugerem e impõem. Se fosse uma escritora seria melhor do que eu em muitos aspectos, não teria a minha pressa, não se precipitaria tão facilmente quando as coisas apertassem, com as dificuldades à tona. É uma mulher geniosa, briga muito comigo por causa dos meus textos, quer alinhá-los como se fossem a uma festa de gala, com a melhor roupa, cortada com ajuste e apuro. Às vezes brigas feias acontecem. Trechos que ela não tolera, meu ingênuo olhar admira como criança vendo bala em venda. Então a reprimenda – vê se emenda e tira isto, porque está uma merda. Eu fico zangado, bato o pé, faço beicinho. Tudo isso na primeira hora. Depois a birra amainada, olho o trecho, reconsidero e corto o troço. É minha coisa mais valiosa hoje – e me atura os chiliques criativos, aqueles ataques das almas sensíveis que Oscar Wilde se dava o direito.
É uma barra aturar um cara que tem tantas dúvidas e rescreve tanto quanto eu. Se a coisa não anda lá como previ, arrumo o texto, envio. Percebo outra alteração, resolvo o troço, mudo um adjetivo, corto um trecho, envio novamente. E assim caminha a humanidade.
Meu agradecimento sempre pelo amor e amizade com que me devotam sua leitura.
Comentários
Foi mentira, é estranho começar um comentário afirmando aquilo que na verdade a gente acha que é uma falta de caráter ou um uso de sentido mesquinho, a velha mentira. Quando você me ligou à noite perguntando sobre o texto que você tinha escrito sobre mim, Áurea e o Vinicius, eu já tinha lido o texto e não sabia muito bem como lhe agradecer, lhe retribuir ou – e você é muito bom escritor pra saber disso – como é difícil traduzir em palavras o que deve ser dito. Disfarcei para que não percebesse que no telefone as palavras saíam fracas em meio a voz que embargava.
Passei toda a segunda-feira pensando no que poderia acrescentar ou dizer, caso lhe telefonasse, preferi retribuir então com essa visita que surge canhestra e que não faz jus nem a seu talento nem ao texto no que me vi (rs) bem retratado.
Caberia corrigir do texto apenas que não somos os três únicos, e sei que a alteração provocaria uma mudança radical no escrito, mas os três verdadeiros privilegiados em poder ver e sugerir modificações – com muito menos poder de decisão que Dona Áurea, é claro! rs – e observar seu trabalho saindo da oficina. Um privilégio, Mariel; sempre o foi e sempre tem sido. A literatura é feita em meio a disputas, rancores e lutas, mas é excelente quanto a gente sabe que encontrou um amigo.
Abração Mariel, desse seu leitor,
Dutra
(QUASE) POSTADO às 10h45
Mas para VC e Vinícius as palavras são verdadeiras...
Beijos, obrigada pela visita!!!
Aurea