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Mostrando postagens de março, 2008

Minha Mãe

Minha mãe é negra. Piche, boneca de piche, isso é que ela é, destrambelhava minha avó paterna. Meu pai prestava serviço militar quando a conheceu, sem a menor cerimônia convidou para conversa; minha mãe encantada pelo aspecto do rapagão não dispensou olhares aos outros candidatos que eram do Salão do Reino, seita a que pertencia à maioria de seus familiares, inclusive meu avô sendo um manda chuva lá dentro, ápodo: ancião. Os encontros – a escapada como a mãe de minha mãe classificava as reuniões clandestinas dos dois – eram freqüentes. Não demorou a carga ser municiada pelo meu avô materno que raposa velha, sentia que a filha não afinaria se apertada, sendo pressionada para largar o latagão. Meu pai suava a camisa com as corridas que tomava dos irmãos de minha mãe. Toda vez ele fugia do confronto direto, por mais que tenha sido pugilista no regimento, com algumas medalhas e distinguido à época como um homem hábil com os punhos, mesmo sendo peso – mosca. E lá estava meu pai correndo, q...

Meu Pai

Meu pai era um leitor razoável. Tinha a bíblia como livro de cabeceira, estudava horas a fio as cartas, não em busca do sentido religioso dos relatos, mas, das próprias contradições do texto que ele considerava inúmeras e risíveis, porque se tomadas por um leitor menos displicente seriam motivos para alguma desconfiança sobre o caráter “divino” do livro. Em contrapartida, meu avô, testemunha de Jeová, professava outra interpretação das epistolas como ele mesmo preferia chamar o relato; não concebia que a palavra “carta” estivesse a altura da mensagem contida naqueles textos, e, segundo suas palavras “Deus não usaria um expediente tão ordinário para classificar a sua mensagem”. Meu avô tinha uma extrema preocupação com o destinatário das tais cartas. Abominava meu pai – porque ele era judeu, isto é um detalhe pouco sabido sobre minha família. Então quando ambos se encontravam, estava aberta a sessão de debates acalorados. A figura mais atacada por meu pai era Moisés – mesmo que isso re...

O Pião, A Menina, O Dervixe e O Universo - Quase Uma Epifânia

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Esta semana enquanto limpava a casa, escutando os mantras cantados pelo grupo Homem de Bem, lembram?. Minha filha foi para o centro da sala e começou a rodopiar com os braços erguidos, se deslocando de um canto para outro dos cômodos, agindo com incomum naturalidade, executando círculos cada vez mais rápidos seus pés pareciam tomados por um bailado estelar. Era como se aquele movimento pertencesse ao universo e não ao pequeno corpo que girava,girava como um pião. Tudo aquilo me surpreendeu e comoveu muito. Enquanto ela, minha filha, executava largamente os passos daquela dança dervixe, percorri rapidamente a estante em busca do livro de Rumi, e como se participássemos de uma performance, li enquanto duravam os movimentos passagens dos poemas, também me juntei a travessura, abrindo os braços e repetindo como se fossem mágicas as palavras e sentia meu corpo levitar e a pulsação do mundo além de nossa janela ganhou um sentido diferente, mais amplo e não me contive. Para minha filha rodopi...

Dicas de Leituras Inusitadas

“O Visitante e Outras Histórias” – B. Traven Dez dos melhores contos de Traven estão publicados nessa obra, sendo três de maior extensão, como Macário, que foi transformado em filme. Macário é um tipo de fábula que relata a história de um índio lenhador mexicano que faz um pacto com o Demônio para salvar sua família da miséria. Os outros dois maiores são: A Vaquejada, descrição fiel dos problemas que um vaqueiro enfrenta com seu gado de mil cabeças; e O Visitante, que intitula o livro, que se passa em uma fazenda no interior da selva mexicana, onde um americano sonha e deixa-se levar pelo folclore índio. Outros sete contos menores compõem esta edição, todos rodeados de humor, são baseados no cotidiano mexicano e antigas lendas do folclore índio. São eles: Amizade; Linha de reunião; chamada a meia noite; nascera um novo deus; a conversação de alguns índios; o milagre e remédio eficaz. Sobre o autor B. Traven é um dos maiores romancistas do nosso tempo. Apesar de ser desprezado na sua te...

Impressões Sobre Contos - John Fante Trabalha No Esquimó

Recebi bastante feliz o email do poeta acreano Jorge Tufic que lendo um dos contos do meu novo livro se manifestou desta forma: "Comecei lendo por inteiro A VISITA, mas como estou me preparando para uma viagem a Manaus, deixei o restante dos contos para depois.Quem sabe lá eu prossiga na leitura, que logo me prendeu pelo estilo, pelo tema, pela linguagem. Não resta dúvida deque Vc é um ótimo ficcionista, embora movido por algum drama bem nosso , da lenda que somos. Jorge Tufic". Agradeço e retribuo com admiração. Um forte abraço para você, Jorge Tufic. Abaixo um poema deste grande poeta acreano: Deslavra Passei anos e anos a olhar para as coisas que se destroem. Muros de pedra, casas antigas, alpendres estrangulados pelo cerco do musgo e das lianas. Mas nunca pensei que tudo isso também fosse passando, devagarinho, para os donos do lugar. Nem que o lugar se tomasse de ruínas; nem que as ruínas pudessem ser vistas como um ricto necessário da paisagem senil: nódoa apenas ...

Publicação Sítio Cronópios

A arte é longa e a vida é curta. Não me lembro quem disse isso, mas não importa. O sítio Cronópios publicou mais um conto do livro John Fante Trabalha no ESquimó. A paginação está impecável também. Constato que cada vez cresce mais o profissionalismo das revistas virtuais que em nada devem as impressas. Meu agradecimento a Marcio-André que me indicou a revista e ao editor Edson Cruz. Abaixo o link: http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=3100 Por favor comentem o conto.

Artistas Impressionantes

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kathe-kollwitz. Éramos uma família triste.

Publicação Sítio Germina

John Fante Trabalha no Esquimó continua dando frutos. A publicação em papel está ainda distante, mas alguns dos contos podem ser vistos em impecável apresentação no sítio Germina, segue abaixo o link: http://www.germinaliteratura.com.br/2008/mariel_reis.htm Meu agradecimento a paciência das editoras Mariza Lourenço & Silvana Guimarães, porque minha ansiedade não dava tréguas. Um forte abraço para as duas.

Texto Antigo...

(Trecho) As altas copas verdes das árvores substituídas por postes enormes que entortam a cabeça para dentro da minha janela. É a primeira diferença notada quando mudo de espaço, monto o escritório e arrumo os livros. A rua sempre barulhenta, vozes e buzinas confundidas, ambos estridentes, apregoam o dia nascendo rápido atrás do morro, dividindo a manhã em fatias comidas depressa nos bares – a média dos trabalhadores. A luz lenta infiltra-se pelo vidro canelado e desabrocha sobre o espelho uma flor de finíssimas pétalas, estalando sobre o corredor seu imenso caule transparente, inapelavelmente fugidio, quase uma flor de vapor, intocável, inamovível de sua brotação. Interrompo com meu corpo o tropismo, a flor agoniza, como se rasgassem-na. Os postes, cabeças pendentes, apagam-se com um fechar de pálpebras lento, percebe-se a pouca luz abandonando suas pupilas, imersos nas trevas adormecem para acordarem somente à noite como vampiros que se estendessem nas sombras dos notívagos.

Alcir Henrique da Costa - Carinho e Admiração

Esta semana tive o convite para publicar em uma antologia e soube que nela estaria incluído o autor entrevistado por mim na época do lançamento de seu livro Contramão. Então divido com vocês - tanto minha admiração quanto as palavras deste grande autor. E, de lambuja, um conto deste meu amigo. Vestibular O devorador de calendários Alcir Henrique da Costa Mãe cutuca, Aderbal pula da cama. Tonto, não sabe onde está. O corpo lhe dói, cada osso. Mas Aderbal sabe que tem que estudar, e para estudar tem que trabalhar com as duas bacias: a de alumínio e a do corpo, que se encaixam como obra de deus. O sol forte queima as areias dos desertos e deixa alvas, tinindo, as roupas dos clientes. Sem Aderbal, é tão difícil cumprir as tarefas... A mãe lamenta, mas não tem saída “Tenho eu mesma que levar e buscar as coisas.” Ele me ajuda tanto que não posso negar a importância, para ele, desse tal de Vestibular. Mas que eu acho bobagem tudo isso, eu acho. Mulher esmirrada, conversa com ela mesma quando ...