Lembra-te, homem
As minhas crônicas sobre
hábitos saudáveis não possuem um gabarito profilático para a manutenção do
estado de saúde. O desemprego ou a diminuição da categoria dos profissionais de
saúde não é a minha intenção, menos ainda a pretensão de ostracismo da doença
do âmbito corporal, porque se ela se vai dele, a velhice – mesmo a saudável -, não é refreada ou detida.
Não cultivo inimizades com a
categoria médica; pode custar muitíssimo e não sou um indivíduo cujo
temperamento para liça mantém-se eriçado todo o tempo, cuja combatividade não
se esgota para ser empregada em outra área, talvez, com novos inimigos e novos
armamentos.
Retorno à categoria médica com
quem não compro briga de nenhum modo, porque tive a experiência da internação –
prolongada – e minhas birras custaram muitos procedimentos invasivos pouco
gentis para atestação da funcionalidade, por exemplo, do sistema excretor. Não
descerei aos detalhes, meu leitor, para a explicitação do que é capaz uma
enfermeira, dentro de suas obrigações, estritamente, causar num pobre diabo
acamado e birrento numa lavagem retal.
Os indivíduos que sempre
mostram sucesso são tediosos – olhe meu bíceps, olhe meu abdômen, olhe minha
panturrilha -, ostentando camisetas com os dizeres zero gordura ou coisa
parecida, ninguém – são todos deuses olimpianos – é perseguido por
inconfessáveis obsessões – gastronômicas, econômicas, sexuais, etc...Parece que
o latagão ou a latagona nasceram do asséptico ambiente da academia, do
cruzamento entre a esteira e o halter, sem caracteres de nenhuma natureza,
tampouco sexo, cujo único comando é a adequação perfeita do corpo a uma regra
de proporção harmônica difícil de se lidar sem caretas de contrariedade.
Na verdade, leitor, você já
deve ter percebido: sou um fraco. E a minha fraqueza está resumida nos versos
do poeta itabirano: “Se sabias que eu não
era Deus/Se sabias que eu era fraco”. As minhas crônicas ziguezagueiam
entre a sintaxe da cidade, através das minhas pernas; levanto genealogias nas
poeiras do edifícios ou nas feições ensimesmadas dos transeuntes.
A fuligem sobre os automóveis,
enegrecendo as roupas nos varais, ressuscita, em mim, a sentença “Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem
reverteris” (Lembra-te, homem, que és
pó e em pó te tornarás); retorno da caminhada, coberto de uma eternidade
visível, de tantos outros clamores passados de homens e mulheres, que descem
para o ralo após o banho. Lembro-me do tom jocoso da crônica, largado em algum
lugar, para a escalada desse outro, existencial, borocochô. Constato que se é
outro do que se foi quando da partida pelo caminho; a geografia altera o
espírito.
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