Keep Walking


O slogan do uísque Johnnie Walker pode parecer contrário a qualquer ideia de saúde, porque incentiva ao consumo de bebida alcoólica, sempre prejudicial ao organismo, contendo, em si, um conselho perigoso para o consumidor do produto “continue caminhando” que, mais cedo ou mais tarde, se perguntará “Diabos, para onde?”, após a constatação de mais uma garrafa vazia e um copo com o resquício de bebida ao fundo. A complementação do mote com a frase “o otimismo te leva mais longe” acentua o caráter de humor - negro – da sentença, despertando no bebedor contumaz uma ligeira desconfiança sobre o destino que o aguarda e para o qual se dirige em um arremedo de saúde – caminhada e bebida, mesmo em uma esteira no ambiente seguro e climatizado de uma academia, nunca são boas companhias.

Não sou usuário de academia de ginástica, portanto, após classificá-las de um ambiente seguro e climatizado, com a minha negação, realizo uma adesão ao grupo com motivações suicidas que cismam na utilização das vias públicas para a prática do exercício ao ar livre – como se algum ainda restasse em uma grande metrópole cercada de violência e de poluição. O exercício ao ar livre é uma reivindicação política mais do que de saúde propriamente, embora ambas atitudes tratem de saúde – uma pessoal e outra social. Por que é uma reivindicação política? Porque se quer ter direito à cidade sequestrada por inúmeras mazelas noticiadas constantemente na imprensa escrita, falada ou televisionada. O uísque, onde entra o uísque, nessa baboseira toda, pergunta-se o leitor encafifado. Explico: o diabo é que o reclamo não saía de minha cabeça. “Continue caminhando, continue caminhando, continue caminhando” era um mantra cuja entoação era por mim realizada toda vez que calçava meu tênis. Como pode ver, querido leitor, a propaganda quase me levou a ser um alcoólatra platônico...

A propaganda e o exercício físico parecem unidas ironicamente nos comerciais de tevê. Se a marca de uísque é um exemplo recente da interação entre ambos; nos anos 80, o contato era entre saúde e cigarro, a marca Hollywood o sucesso – incitava-me a me tornar um desportista – ultraleves, bugres, motos e iates povoavam meu imaginário de juventude. E mais uma vez a propaganda havia me tornado um fumante platônico em convívio com o paradoxo da preservação do corpo – incompatível com a vida de um viciado em nicotina. Entretanto, o máximo que consegui viver em ritmo de aventura - sacaram? – foi um salto de asa delta da Pedra Bonita. O verdadeiro milagre foi ter sobrevivido sem uma cardiopatia...

O uísque não deve ter sentido em suas estatísticas de consumo a minha ausência; nem mesmo a indústria tabagista sofreu impacto em seus resultados de venda com a minha aversão ao cigarro; ambos, porém, tornaram-me refém – indiretamente – da saúde. Talvez um efeito colateral - indesejado - previsto pelos publicitários, ainda que inofensivo numericamente. Ministério da Saúde adverte: “Propaganda pode causar danos ao cérebro. Às vezes.” Em meu caso, a reversão das ordens ali sugeridas, fizeram-me, pelo charme, involuntariamente, ter um corpo saudável... pelo menos até o próximo comercial.



Mariel Reis,40, carioca, é praticante de caminhada, poeta, contista e ensaísta. Dá expediente em www.cativeiroamoroedomestico.blogspot.com

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