Estudos Alencarianos Sob a Perspectiva da Modernidade
O stalker em José de Alencar*
Em
Cinco Minutos, de José de Alencar, cujo enredo é o casamento do
autor com Carlota, em uma nova perspectiva de leitura, adotando-se para
análise os dois primeiros capítulos, notamos a prática -
modernamente denominada -, de stalking. Stalking
é um termo, em língua inglesa, designador de uma forma de violência
na qual um sujeito invade repetidamente a esfera de privacidade da
vítima, empregando táticas de perseguição, conforme verbete da Wikipédia.
Maria
João Costa, jornalista portuguesa, mantém um blogue
http://vitimasdestalking.blogs.sapo.pt/ monitorando notícias, em sua maioria trágicas, sobre
a exacerbada violência persecutória que ainda não é levada a sério
pela justiça. O assédio persistente pode causar confusão à vítima
devido a natureza romantizada do contato e a atmosfera de
envolvimento criada pelo perseguidor. No texto alencariano, em
minúcias, a característica do stalker
desdobra-se diante do leitor:
“Senti
no meu braço o contato suave de um outro braço, que me parecia
macio e aveludado como uma folha de rosa. Quis recuar, mas não
tive ânimo; deixei-me ficar na mesma posição, e cismei
que estava sentado perto de uma mulher que me amava e que se apoiava
sobre mim”.
“Assim,
fascinado ao mesmo tempo pela minha ilusão e por este
contato voluptuoso, esqueci-me, a ponto que, sem saber o que fazia,
inclinei a cabeça e colei os meus lábios ardentes nesse ombro, que
estremecia de emoção”.
A
narrativa de Cinco Minutos, uma história curiosa, é
acompanhada por uma cúmplice: a prima. O tacão do narrador lhe impõe
, não sem artifícios, a naturalização da invasão de privacidade
da personagem abordada em um coletivo. A escolha da vítima, em uma
padronagem, é assim definida:
“(...)prefiro
sempre o contato da seda à vizinhança da casimira ou do
pano”.
O
reconhecimento do estrato social da vítima através do traje traduz
um invulgar observador. Ao longo do cortejo – indesejado? – , o
autor do relato recorre, muitas vezes, a desqualificação de seu
objeto:
“De
repente veio-me uma idéia. Se fosse feia! se fosse velha! se
fosse uma e outra coisa! Fiquei frio, e comecei a refletir.
Esta mulher, que sem me conhecer me permitia o que só se permite ao
homem que se ama, não podia deixar com efeito de ser feia e muito
feia. Não lhe sendo fácil achar um namorado de dia, ao menos
agarrava-se a este, que de noite e às cegas lhe proporcionara o
acaso”.
A
obsessão implacável, crescente, chamada
por ele – o narrador –, de
minha aventura, condena-o:“Durante
este tempo é escusado dizer-lhe as extravagâncias que fiz”.
Embora
a longa passagem temporal – quinze dias após o avistamento de C.
(Carlota) – ,o ímpeto persecutório não o impede do desatino de
refazer o trajeto no mesmo horário e na mesma linha de ônibus: “Fui
todos os dias a Andaraí no ônibus das sete horas, para ver se
encontrava a minha desconhecida; indaguei de todos os passageiros se
a conheciam, e não obtive a menor informação”.
A
coloração narrativa, ao final do segundo capítulo, assume outra
perspectiva em que o ideal romântico, em notação melodramática,
acentua-se,
enquadrando a novela ao gênero lacrimoso: “Não
pude ver-lhe o rosto; fugiu, deixando-me o seu lenço impregnado
desse mesmo perfume de sândalo e todo molhado de lágrimas ainda
quentes”.
A
prima, testemunha involuntária, com represado horror, cede, mais
docilmente, aos galanteios de serenatas ao pé de uma janela numa das
ruas agrestes da cidade alemã. A
perturbação, mesmo sob cerco, pulverizada, pontuará aqui e acolá
ao leitor que
examinará,
com uma atenção meticulosa,
os
entrocamentos da confissão de um aliciador sem contaminar-se com seu
perigoso – e irresistível – magnetismo.
* Comunicação ao Círculo de Leitura José de Alencar.
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