Revista Miopia

Você pode fazer um balanço dos quatro livros de contos lançados?


Eu não sou um gênio, graças a Deus. E os livros refletem minha escalada em torno de um objetivo que é alcançar a minha própria estatura literária, estar do tamanho da minha sombra, como afirmei outro dia. É claro que adotei balizas estéticas, isto é, autores que me pudessem referenciar dentro do universo em que me detenho e me movo como Lima Barreto, Marques Rebelo, João Antônio e Antônio Fraga, mas nunca com a ambição de imitá-los em seus processos de investigação, mas descobrir o denominador comum de nossas sensibilidades e a partir daí verificar como foi solucionada determinadas construções ficcionais. Dividimos o mesmo território urbano: o subúrbio, mas com recortes diferenciados. Em um primeiro instante podem parecer estanques, sem comunicação alguma, mas dialogam subterraneamente. Os quatro livros são a minha resposta as inquietações provocadas por essas investigações cotidianas acerca do que me toca. Todos os livros representam a minha tentativa de depuração do que eu escrevo e não a emulação de um modelo de sucesso no mercado literário. Nesse sentido, creio, são livros que, a meu ver, deram certo.



O que você acha da produção da literatura contemporânea?





A literatura brasileira contemporânea recebe ordens dos editores. Certo autor deve parecer com Le Clézio, ser transcultural; outro com Mccarthy e aquela outra com Marguerite Duras. Você entra para uma grande editora e já é desfigurado, não pode citar a rua do bairro onde você mora, porque o livro não é mais seu, pertence a transações internacionais, é um objeto, já está vendido e o excesso de localismos pode prejudicar a tradução. Isso me parece um seqüestro, mas é o que mais se vê . E há uma uniformização textual. Todos os livros parece que estiveram nas mãos de um mesmo revisor ou preparador de texto como se isso fosse um selo de qualidade. Isso é um erro.

Parece que cada editora grande tem uma máquina que uniformiza os originais, descaracteriza os autores e os cospe para uma prateleira do mercado internacional em que você é apenas uma cifra e que se a inteligência européia ou americana gostar do que você escreveu, surgirem resenhas, aí você reconquista sua identidade, mesmo que pasteurizada. Não há novidade nenhuma na literatura brasileira hoje, quem diz o contrário, mente. Há autores que imitam o vocabulário de João Ubaldo Ribeiro em Sargento Getúlio, misturando a construção com a mitologia amadiana, portanto, sendo um cavalo em que dois santos disputam incorporação. Há livros corretos, mas, talvez estejamos saturados de correção. Aconselho a leitura do texto Barraca, de Noemi Jaffe, que está hospedado em seu blog.



É verdade que você pretende parar de escrever após o lançamento da antologia de contos de sua autoria?


Pretendo parar de escrever, porque é enorme o número de gênios convivendo em uma mesma época. Mesmo que emuladores de autores internacionais ou nacionais realizam tão bem sua imitação que é como se convivêssemos com os autores, sejam eles mortos ou vivos, reverberados em textos de segunda ou terceira categoria. A literatura brasileira não precisa de mim, nem dos meus comentários ferinos. A literatura brasileira atual vive de um acordo tácito entre críticos-escritores, escritores e editores, em uma linha tênue que pode arrebentar a qualquer momento. Todo aquele que perturbar a ordem será banido do convívio. Todo mundo quer comer um pouquinho, entende? Criticamos o mensalão, mas não temos coragem em acabar com a patota, a curriola. Qual será o motivo? Apenas política literária? Não. Todo mundo quer se dar bem, ninguém quer ser nota de rodapé na História da Literatura.


Em outra ocasião, ouvi você expressar seu desânimo em relação a agentes literários. Qual é o motivo?


A minha bronca com esse tipo de gente é a seguinte; quando você é um Zé ninguém, isto é, não é distinguido em nenhuma premiação relevante no país, você não existe para eles. Contudo, basta um último lugar em qualquer premiação que possibilite uma etiquetagem do autor, colam logo em você. Porra, quando o escritor é um fudido, precisando de investimentos ou editora, cadê os agentes literários para botarem o manuscrito embaixo do braço e baterem de editora em editora? Eles não aparecem. Agente literário é que nem puta: você só presta enquanto tiver grana, estiver em alta, por cima da carne seca; se ficar fudido, nem pára na sua porta.



Você atuou como orientador literário, autor, produtor editorial e editor. Como é isso?


 
Atuei criando um selo para lançamento de novos autores da Baixada Fluminense, Zona Norte e a parte pobre da Zona Oeste. Foi um sucesso, porque revelamos alguns nomes de notáveis que na sanha da guerra literária não conseguiriam ter a atenção devida para os seus trabalhos. Como orientador literário, com o pouco do que sei a respeito do ofício, procurei dar toques que ajudassem a evolução do individuo. Isso me custou algumas inimizades, mas custou mais caro para eles que nunca mais tiveram a atenção de quem quer que fosse, porque passaram a escrever porcarias, coisas hediondas, que não deveriam se chamar literatura. Como editor e produtor editorial exerci, juntamente com uma rapaziada competente à beça, a publicação de alguns livros que se não chegam a excelência editorial, por falta de grana, não atentam contra a decência.



A maioria dos escritores tem medo de ser tão categóricos, porque temem ser malvistos por seus pares e perderem oportunidades ou serem preteridos. Você parece que caminha em sentido oposto. Não teme em se tornar persona non grata?


 
Não vivo de literatura. Ninguém aparece aqui em casa para perguntar se minha filha precisa de um litro de leite ou se tenho dinheiro para pagar a minha luz. Quem está com a gente, está com a gente. Quem tem dúvida, é melhor cair fora. Se tivesse receio, seria político, cheio de qua-ra-quas-quás para dizer as coisas e cousa e lousa...Tem sempre aquele que chega para a gente, convida para um evento, temeroso, recomenda cautela etc e tal. A gente fica de bico fechado, não estrila, por causa da conta de gás. Afinal, escritor come, não é? Paga contas? Mas em uma entrevista o cara tem que ser sincero, não fazer firula, histrionice. Eles,claro, precisam estar na Feira do Livro X, Y ou Z, porque precisam justificar o investimento em suas carreiras, a boa fé do editor, não é mesmo? É a liturgia do capitalismo mesmo dentro cultura. Farinha pouca, meu pirão primeiro, não é assim? Por não viver de literatura, posso ter desenvoltura para falar, sem rabo preso, sem pensar porra, se fulano ler minha entrevista e eu encontrá-lo em um jantar depois de chamá-lo de filha-da-puta, como é que vai ser? Eu não quero ser um seqüestrado. E não a síndrome de Estocolmo quando o elemento está tão fudido, que para sobrevivência se identifica com o agressor.


É uma decisão sem volta essa de parar de escrever...


 
Não é tão fatídico assim, claro que posso rabiscar uma coisa ou outra, escrever em um site ou no blog de um amigo. Pode acontecer, mas parar de escrever pode me tornar mais simpático e aquilo que não aconteceu enquanto me mantinha ativo, pode rolar comigo inativo. Talvez me torne uma atração circense como o Raduan Nassar, porque todos julgam impossível parar de escrever, que é uma ordem irreversível. Eu mesmo acreditava nessas besteiras. Posso escrever em segredo, para as gavetas e não colocar na roda. Para quê? Não é mesmo? Não digo que irei criar galinhas, porque são animais simples; mas posso me arriscar a criar búfalos ou rinocerontes. É um desafio se calar, não é mesmo? Ficar quieto, sem ruído algum, vendo o dia desaparecer consigo e com todo o resto. É uma lição também, não é?



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