Sêo Índio


A ligação confirma o almoço com um ídolo do Flamengo. O prato será peixe aos quatro queijos, preparado pelo músico Marko Andrade e temperado pelas mãos hábeis da cantora Namay Mendes. A última recomendação é a descida do metrô na estação Engenheiro Rubens Paiva, Pavuna. É sempre a mesma coisa. Onde será que foi parar Rubens Paiva? Ele ainda não foi encontrado. É um dentre uma centena de presos políticos desaparecidos.

O mesmo não se pode dizer do centroavante Índio, ex- atleta do Flamengo e do Corintians, ex- jogador da Seleção Brasileira de Futebol em 54, na Copa da Suíça, aquela que os jornalistas alcunharam como a Copa que ninguém viu. Há um livro raro, escrito a três mãos, por Armando Nogueira, Jô Soares e Roberto Mulayert, sobre o período que vale ser revisitado. Antes de ir para o banho, confiro as tabelas de jogos. E lá está Índio escalado para jogar contra a Hungria. 4 x 2. O Brasil estava fora nas oitavas de final. Separo bermuda, camisa, chinelo. O calor na cidade está infernal; não permite um traje mais apropriado. E me encaminho para o metrô.

Na estação Engenheiro Rubens Paiva, confirmo mais uma vez com Marko Andrade. Outra recomendação – pegar moto-táxi até a Alameda Ponte Preta com Herculano Pinheiro. Não me agrada a perspectiva de me empoleirar na corcunda de uma motocicleta e me agarrar às costas de um marmanjo. Lembro que através dele, o jogador Índio, estará a voz de outros craques que tanto me impressionaram. Convencido de que vale a pena continuar, dou o destino e prontamente – apesar do percurso acidentado – estou no local. Nele também já vejo Marko Andrade, Namay Mendes, Beatriz Alves (conheci posteriormente) e um senhor com estatura mediana, de pele de ébano, olhos espertos – Sêo Índio. Demonstra logo que a agilidade não lhe abandonou, atirando-se em uma velocidade temerosa – para sua idade – para me arranjar uma cadeira. Somos apresentados, boto a diferença: “Sou o único aqui que não é Flamenguista”. Não resulta em animosidade. Um sorriso gentil me brinda com a primeira lembrança: “Joguei com Nilton Santos”. A informação confirmada com a visita ao site do jornalista esportivo Milton Neves, na seção Que Fim Levou?, dá credibilidade ao que é dito por ele. Nela estão abraçados Sêo Índio e Nilton Santos, ambos sorridentes. Por certo comungavam a felicidade de uma vitória.

Marko Andrade passa em revista aquilo que sabe sobre o Flamengo como intróito para a conversa. Beatriz Alves emenda e ilustra os primórdios do Clube de Regatas Flamengo com histórias sobre os playboys que o fundaram. Até culminar com a marcha dos dissidentes do Fluminense até a Rua Paissandu, sagrando de uma vez a formação da potência futebolística. Sêo Índio não se fez de rogado. As revelações como o início no time do Bangu, sua transferência para o Flamengo pulularam. Nós, como bons ouvintes, fazíamos anotações mentais para que nada se perdesse. A Copa de 54 revisitada. Alguma tristeza se insinua. A felicidade pontua com suas luzes a lembrança dos companheiros com quem jogou. E frases como esse jogava bonito. Na atualidade, sem sombra de dúvida, aponta Messi como o melhor. Não deixa de compará-lo a Zico no estilo com semelhanças, para ele, tão evidentes. Envereda pelas lembranças da terra natal – a Paraíba. Dói-lhe algo na serenidade conquistada. A fé parece amparar Sêo Índio, porque depois de tudo, pede a um vizinho que chegou faz pouco tempo para cantar um hino que compôs. E nele tece loas a Deus e deposita contrito seu coração para adorá-lo. Nós, para que não haja dúvida sobre a tarde maravilhosa e nossa admiração por sua trajetória, abrimos nossos peitos e colocamos os nossos corações à disposição de sua serenidade.

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