Rubem Mauro Machado Sobre Vida Cachorra

"Caro Mariel

Terminei a leitura de seu livro. Gostei nele de muitas coisas, não gostei de outras, o que é natural. Não sou crítico nem professor; mas já que pediu minha opinião, vou retribuir sua confiança sendo absolutamente sincero; a melhor maneira, acredito, de modestamente contribuir para a sua escrita.

Começo pelo que não gostei. Essa suposta ousadia formal de não usar maiúsculas me parece uma coisa gratuita e postiça. No que melhora o seu texto? A meu ver em nada; pelo contrário, só dificulta a leitura, a torna um tanto confusa. Além do mais, não passa de modismo, uma coisa já feita anteriormente. Não sou contra inovações formais, tenho até um conto com elementos concretistas; mas elas têm de ser funcionais, uma exigência do que se quer contar.

Outra coisa complicada é o que parece ser sua exagerada devoção a Dalton Trevisan, que no conto em que você remete a ele chega a converter-se em pastiche. Dalton é um grande contista porque criou um mundo próprio e uma linguagem própria. Se bem que caminhou para uma espécie de atoleiro: seu mundo tornou-se tão fechado que o deixou sem saída e seus últimos livros perderam toda a novidade e frescor e não alcançaram maior repercussão.

Você de certo modo repete a armadilha daltônica (perdoe a piada): os personagens são sempre mesquinhos obcecados, à beira da transgressão, ou mesmo chegando ao crime - e acabam tornando-se seres mecanizados, sem os meios tons que caracterizam os homens em geral. Cansam um pouco, pela repetitividade. Além disso, algumas histórias, como "Amor filial" e "Despejo", soam inverossímeis. Conselho não existe em literatura, mas se fosse dar um seria: tente libertar-se dessa visivel influência de Trevisan e só terá a ganhar.

Bem, gostei, sobretudo, da sinceridade que emana de seus textos, que envolve e conquista o leitor. Você também busca uma linguagem de raízes populares que foge à rotina e acomodação, grande mérito para qualquer escritor (que, no entanto, não deve ceder à tentação de se deixar levar por ela, incidindo na gratuidade). Não tem medo de buscar a verdade humana, mesmo com o risco de chocar. Demonstra também em varias ocasiões bom poder de fabulação. Ou seja, você é criativo e parece escrever de fato por necessidade interna. Finalmente, acho que tem em mãos um tremendo conto, "Transplante", se ele for mais bem desenvolvido. Você simplesmente apresenta o tema, não vive de fato a historia. Faça isso, trabalhe sem pressa, explorando bem as possibilidades que estão apenas sugeridas, e poderá construir algo marcante dentro da contística atual.

Leia muito e a maior variedade de autores que puder. Escreva sempre; deixe o texto amadurecendo na gaveta e depois volte a ele, sem pressa. Tenho certeza que ainda vai presentear os leitores com excelentes coisas. E desculpe se não lhe puder ter sido de mais utilidade.

Um grande abraço do


RM"

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