Saudades
Reescrevi pela manhã parte deste texto já postado aqui. Me deu saudades desta figura. Também me bateu saudade do Alfredo Perneta, compositor de primeira linha; de JOão Ribeiro de Almeida, poeta de mão cheia e do Beto Hippie, cantor e compositor do meu bairro - Pavuna. Amanhã (04/02) estarei na Casa do Saber, a partir das 19: 00 h, conversando com o escritor Antônio Torres, em sua oficina Ritmos do Rio, sobre o meu conto De Um Lugar Escuro, publicado na antologia Prosas Cariocas : Uma Nova Cartografia do Rio de Janeiro, ed. Casa da Palavra.
O texto trata do período que esbarrei com o Fraga, em Queimados. Nunca mais nos falamos depois disto.
Estação de Queimados. Lugares impróprios para um menor. Definição: pacata e tensa. Bairro Carmorim, chapa quente. Sempre de rolé. Sempre à toa. Minha arma à tiracolo: William Saroyan. Todo carcomido. Presente do Flamínio. Ex - livreiro da livraria Dantes. A mente esvaziada pelas palavras e a fumaça. Bombas explodindo, acendendo mil lâmpadas no meu cérebro, excursão nas tardes insones que topam com o bonde do mal e um dia, em uma esquina do bairro, um coroa com um monte de quinquilharias. Desenhos e pinturas. Alguns realizados com esferográfica ou guache. Coroa seco, meio careca, com olhar de ver a gente por baixo, investigando, devia ter um metro e sessenta e oito ou setenta. A velhice encolhe as pessoas, ele vaticinava.
Rolei uma idéia longa. Era doido, mas lido. Tanto ele quanto eu. Doido, lido e vivido. Época: 1990. Eu disse que escrevia. Ele também. Sacou um caderno escolar, pequeno, amassado, do bolso detrás da calça de brim sei lá azul ou preta. Uma sandália de malandro, arrasta pés. Como se fosse meu ortopé, só que com a tira de trás cortada. Leu um poema. Não me lembro direito. Era sobre o tempo. Conversou comigo sobre meu estado de sítio, meu estado de exceção – minha temporada no inferno particularíssima. Sai dessa, jacaré – riu. Perguntou a minha idade, abaixou a cabeça como reprovando. Estou como a cidade, abandonado, véio. Eu disse. Perguntou se eu transava literatura americana ou inglesa ou francesa. Respondi que lia mal e mal. Então, começou a enrolar a língua como se estivesse em gira de povo de rua e desandou a falar em língua de bife.
Sacava o coroa. Me deu uns toques. Disse que já tinha livro publicado, nos tempos em que se amarrava cachorro com lingüiça, que se quisesse poderia me arrumar um, saído há pouquinho. Combinei de outro dia pegar o calhamaço. Me corrigiu. Fininho, magro, magro. Arriou vários H para cima de mói, que conheceu fulano, beltrano, dormiu na casa de cicrano. Eu só escutando a lorota. Isso antes de me arranjar o livro. Ele via minha desconfiança, mas me recomendava cautela com os gestos vagarosos. Vagarosos, mas seguros. Coisa de samurai que já segurou muita pindaíba.Teu nome? Antônio. Voltei para a estação da Loucura. Certo dia, pego pelo colarinho, lá estava ele e uma mulher baixinha. E me diz: é minha esposa. Ela sentava-se com ele em uma banquetinha. Já foi atriz. Sim, estou me fiando. Enredado posso morrer enforcado. O livro, sempre direto. Tomei nas mãos: Desabrigo. Como eu estou. Antônio Fraga. Como estamos ambos, emendou manso. Meu deu endereço, para visita: Rua Japeri. Anotei apressado. 35 - Número da Cobra. No jogo de bicho. Cobrinha, persona non grata da novela. Tudo batendo em esquema de dar medo.
Quando li o Desabrigo sabia que o coroa dizia a verdade. Era bom, era bamba. Conversava em muitas línguas, me incentivou a estudar, apesar de ter só o primário. Memórias de zona e leitura. Tudo matéria ordinária, vale descobrir nela o extraordinário. Nisso está o pulo do gato. Descobri que além do João Carlos Rodrigues, outra pessoa Maria Célia estava organizando os arquivos dele. Vou procurar saber o que é, não vou passar procuração, mas vale um Fraga na mão.
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