NULIFICADOR
Não ser
citado em entrevistas. Não ser lembrado para antologias. Não ser
entrevistado. Não estar em uma grande editora. Não estar em editora
alguma – até o momento. Não ser o centro de nenhuma discussão.
Não ter sido premiado: ou por uma obra isolada ou por seu conjunto.
Não ser colunista de jornal. Não ser um fabricante de opiniões
televisivo. Não ser um sex expert. Não ser agenciado. Não ter
livros traduzidos. Não ter participado de festivais literários. Não
ser consultor de inúmeras ideias alheias à literatura. É o que me
resta. Embora tenha escrito dois excelentes livros inéditos: Bordel
de Bolso e Boa Noite, Burroughs. Embora seja editor de uma revista
promissora, juntamente com amigos. Embora seja parecerista literário
de uma agência expressiva. Embora seja solicitado por determinado
grupo que vê valor em minhas opiniões. Embora, em meu anonimato,
seja ele voluntário ou não, tenha voltado a me pertencer e não
participar de um jogo com o qual não concordo. Embora ninguém tenha
pedido a minha opinião. Embora alguns escritores conhecidos meus
sejam melhores que muitos alardeados pela imprensa. Embora que a
ilusão da fama escravize a fantasia mais íntima de meus amigos e
mesmo as minhas, eu tenha conseguido a cura para o desejo. Embora eu
saiba que o tempo não é juiz porque não escreve nos suplementos
literários, sigo com crença nessa balela. Embora a justiça, outra
balela, tenha falhado com amigos próximos, nesse quesito:
restituir-lhes, pela vida miserável, um lugarzinho entre as copas
das árvores que coam a luz do sol. Embora minha paz sofra abalos
pelas incredulidades cometidas por certa inteligência nacional.
Embora tenha admitido desconforto pelo desfoque, miopia, estrabismo.
A nulificação é o nirvana do escritor.
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