Triste e Utópico



‘O país parece ter encarnado uma profecia, incerta quanto ao próprio futuro. Estabelecê-la conforme as linhas de força de outras épocas é subestimá-la. Há um duelo no subterrâneo da nação – um terrível obscurantismo, com marchas, gritos de ordem e cantos cívicos e a insuportável lucidez da orfandade política’

Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)

O caráter reformador das manifestações não é conformista. Há uma movimentação para extirpar das instituições democráticas do país a morosidade, a apatia e o descaso. Não se pode caracterizá-lo como conformista, pela exigência de revisão da conduta dos canais democráticos. E não é permitido enxergá-lo como revolucionário, porque não promove a reinvenção das instituições. Não as desvencilha da lógica intrínseca à sua própria condução. Isto é, elas não passam a ser outra coisa; ao contrário, tornam-se uma afirmação sistemática de si mesmas e de seus poderes. O que pode ser perigoso e fatal.

Os ativistas parecem não atentar a esse aspecto. Prosseguem promovendo o fortalecimento das instituições criticadas. Não são revolucionários, não desejam substituí-las por outras e/ou reinventá-las, o que realça o caráter conservador das ambições envolvidas. Sinalizam apenas a vontade de reforma: a expulsão do paraíso dos corruptos, dos ladrões e dos fisiologistas. O país parece ter encarnado uma profecia, incerta quanto ao próprio futuro. Estabelecê-la conforme as linhas de força de outras épocas é subestimá-la. Há um duelo no subterrâneo da nação – um terrível obscurantismo, com marchas, gritos de ordem e cantos cívicos e a insuportável lucidez da orfandade política.

Inconformismo é confundido com ímpeto revolucionário. A cegueira de que no Brasil está em curso uma revolução, é a prova de uma fraca imaginação social. Os princípios norteadores das campanhas das ruas são indicativos da pressão por mudanças. O processo é intenso, mas não é denso. A única afirmação possível é de que a transformação será conjuntural, devido à manipulação política. A questão estrutural é um t(r)ópico triste e esquecido.

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