03 poemas de Mariel Reis


A caixa

Para Francis Ponge

Recomenda-se cuidado
Ao manuseá-la, lê-se
O aviso na caixa. A seta
Indica “este lado para cima”
Para que não se quebre
Aquilo que vai dentro
Se o dentro existe ainda.

Recomenda-se cuidado
No transporte, por todo
O lado espalha-se frágil.
E para o manuseio, pede-se
Movimentos de felino
Para que não se quebre
O seu conteúdo e uma febre
Não jogue o corpo à morte
E ao transtorno infinito.

Embalada em madeira
A caixa parece esquife,
Desmontá-la com furadeira,
Pé de cabra e chave de fenda.
A instrução recomenda:
Uma ação demorada, lenta
Para que do seu interior
Não vaze para o piso
O ácido, o diamante, a flor.

As ripas em diagonal
Descem superpostas,
Percebe-se pular delas
Amassadas folhas de jornal,
Carne efêmera que a preenche
Talvez salte dela o silêncio
De que está grávida
E revele o segredo à caixa.

Entretanto, teme-se abri-la.
Pode ser como a vida, pondera
O observador sobre a caixa.
E se ela estiver vazia? Como
A própria vida se acha?
E se de suas entranhas de papel,
Isopor e tiras de fitas adesivas,
For vomitado informe
O seu interior limpo?



Um poema para Antônio Botto

O rapaz sobe a ladeira. Inclina-se
O corpo todo marcado de sol;
Nos varais estendidos os lençóis
Panejam agitados como bandeiras
Ou estranhos estandartes a saudá-lo
Como uma beleza que caminha
Inconsciente entre a natureza e as coisas.

Leva debaixo do braço, carinhoso,
A bola da partida de futebol,
Tem atado ao peito certa liberdade
Que lhe eletriza as maneiras
E devido a isso os seus dedos
Acendem, com cuidado, a tarde.

Eu, cá embaixo, observo-lhe os modos,
Embora seja o rapaz uma paisagem volátil,
Torno a envolvê-lo com a toalha dos olhos.
Retomo o meu caminho e o instantâneo
Fixa-se em algum lugar do meu cérebro;
Termino o horário de almoço e subo ao prédio
Á descontar no guichê as intermináveis
Promissórias do tédio.
 




A Voz

Por que a voz, essa planta,
De finíssimas pétalas,
Nascida do fundo da garganta
É capaz de tanta comoção?
Capaz de provocar a paz
E de incitar a guerra
A voz, essa hera,
Alastrada em nosso íntimo,
Com seus invisíveis fios
Em condição provisória
Narra o nosso destino;
E esgarçada, desaparece
Como se nunca houvesse
Feito parte de nossa História.

Comentários

De dentro da caixa
talves
desembrulhe-se a voz

Postagens mais visitadas deste blog

Iberê

O caso Alexandre Soares Silva

Na Pequena Área