Dois Textos Breves
Anderson Fonseca, em breve, deixará o Rio de Janeiro. Partirá para as plagas do Ceará, se juntará a esposa e ao filho. Com isso, a cidade perderá um jeito, porque todo aquele que a deixa, leva consigo algo com que contribuiu para essa paisagem que está muito além dos edifícios, das belezas naturais. A cidade sofre quando parte alguém que ela de fato ama, porque perde a gravidez de muitas inquietações, perde o riso franco, a conversa inteligente, o sonho, o sofrimento, o encontro, o desencontro. Uma maneira do corpo se comportar ao sol, à chuva, no estio. Anderson Fonseca levará consigo tudo isso: uma maneira de irisar a flor-cidade, de concebê-la em seu deslocamento pela baía, a comunicação entre seus membros, o fluxo de oxigenação entre um lado e outro desse enorme coração de caos, trânsito, amor e discórdia. Nos últimos meses, no Rio de Janeiro, nunca estive tão próximo de um escritor como dele, idealizamos, concretizamos e prosseguimos devaneando. Falando besteiras ao telefone ou assuntos graves, reflexões sobre a cultura ou bobagens ligadas ao crescimento dos filhos. Em tudo, já me ressinto da saudade. A cidade insinuada em nossas caminhadas pelo Bay Market espiava com inveja a vida que escorria de nós. Talvez, por isso, em meu coração, esse amigo já é uma figura imortalizada.
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Ontem, recebi uma pergunta sobre meu último livro de contos Vida Cachorra, publicado pela editora Usina de Letras, sobre a verdadeira influência na forma das narrativas. Para alguns amigos, aludi que tentei reescrever uma publicação homônima da qual participaram Mafra Carbonieri, Marcos Rey, João Antônio e Aguinaldo Silva. Este último eu o convidei para prefaciar o livro, mas não recebi resposta. É verdade que minha pretensão foi esta, mas para a forma narrativa aderi a um livro esquecido, intitulado Roda de Samba, de autoria de Lygia Malaguti. Uma contista de mão cheia que, infelizmente, não é mais lida. Exceto por gente como eu. O que não é um mérito propriamente. Contudo, todos se apressam em apontar Dalton Trevisan como a influência. O que é, não de todo um equívoco, mas uma injustiça.
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