Mariel Reis: narrativas à mão armada

Mariel Reis: narrativas à mão armada

Astier Basílio

Mais um escritor a retirar da violência urbana a matéria prima de seus escritos e já fazendo anunciar os timbres de sua voz como ficcionista. O fluminense Mariel Reis não nega, nem foge de suas influências. Ao contrário, ele não deixa de saldá-las, redimensionando temas e estilos em seu livro de contos vida cachorra (Vermelho Marinho/ Usina de Letras, Rio de Janeiro, 2011, 77 pgs).

Se, como João Cabral de Melo Neto dos anos 1960 em diante, na poesia, dos anos 1970 para cá, gerações de escritores não passaram incólumes à prosa direta de Rubem Fonseca, Mariel é consciente do tempo em que vive e sabe reprocessar influências para daí criar sua própria voz. Convém assinalar, sem a inocência de atestar falta de originalidade, mas antes proclamar, sim, proveitoso diálogo com a contemporaneidade e a tradição, as outras vozes que se entrecruzam na porrada que é o volume destas 12 narrativas curtas.

Em “ao modo de Dalton Trevisan”, explicitamente, Mariel presta tributo ao escritor paranaense. Seu conto texto é curto, e a instância de poesia se efetiva à medida que, mais do que no uso de uma pontuação algo caótica, Mariel vai mesclando registros de oralidade em alternância com o padrão da linguagem escrita, desordenando e ordenando sua narrativa. O estilo em primeira pessoa de Mariel – muito ao corte e ao modo de edição de Rubem Fonseca - dá a impressão de que se narra como quem assalta à mão armada.

O eco, longínquo, é importante ressaltar, de um certo Marcelino Freire se dá mesmo pelo ritmo, que em Mariel não se descura em enfileiramento de rimas como no pernambucano – uma certa visada social, de literatura que dá voz a marginalizados e excluídos, presente, de modo mais ostensivo, nos contos “indigestão”, em que um patrão toma a esposa do empregado e este se vinga, e “remoção”, de um morador de rua que só tem um cão como companheiro.

Mais pelo tema que propriamente pelo estilo, no conto “transplante” Mariel dialoga com sua contemporânea Ana Paula Maia, que também versou sobre um personagem que se viu compelido a, por meio de um crime, conseguir um órgão. Todavia, Mariel não se vale do recurso parodístico com a cultura pulp da escritora, o tema é desenvolvido no terra a terra; literatura sangue no olho mesmo.

Porém, o melhor da ficção de Mariel Reis é quando o autor investe no personagem, quando lhe destripa. É caso do belo “amor filial” em que o escritor aposto no duplo ao contar a história de dois irmãos, gêmeos, um deles, ex-presidiário e o outro, que usa sua sexualidade para se travestir de seu próprio irmão. Semelhante situação ocorrer em “espírito natalino”, conto que lembra muito os matadores de encomenda de Rubem Fonseca. Nesta narrativa, a indumentária do bom velhinho, usada como disfarce do matador, aciona uma cadeia de sentidos adversos que dão complexidade à trama.

Da mesma forma como no teatro, o jovem Jô Bilac retrabalha o universo de Nelson Rodrigues, sem temer o clichê, Mariel não teme as matrizes fundantes da ficção contemporânea brasileira e com elas mantém uma relação de reverência e autonomia.

Resenha Publicada no Correio da Paraíba.

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