Pequena Entrevista com Alessandro Garcia/Imagem retirada do blog Sobrecapa, de Samir Machado.


Alessandro Garcia, publicitário e editor da Fósforo, prepara o lançamento do livro solo A Pequena Sordidez das Coisas, pela Não Editora. O editor Samir Machado definiu muito bem a coletânea de contos quando asseverou: "o livro, tal como indica o título, reúne histórias de personagens tomados por pequenas obsessões e traumas que se ocultam no cotidiano." Esta declaração, retirada do blog Sobrecapa, no qual Samir Machado escreve atento ao que se passa no mercado editorial e aos avanços gráficos em geral referentes à confecção dos bons livros. Contribuí com um pequeno texto para a realização do livro de Garcia que é um escritor que surpreenderá pelo apuro estilistico, pelo modo como enreda o leitor em suas histórias e dono de uma penetração psicológica fina. Contudo, não abre mão de ser um homem do tempo presente, ligado à luta política sobre a questão do negro e um amigo para se guardar pela probidade para toda uma vida. Meus loas, meus vivas!



Como nasceu a idéia do livro?



Eu notei que se tornou um livro quando o eixo temático começou a se manifestar na maioria dos contos que eu passei a produzir, de 2002 pra cá. Toques de perversidade, algum desencanto e baixezas do sentimento humano - e, às vezes, e contraditoriamente, com um lirismo aflorando ali: gosto desta contraposição constante. Todos estes elementos permeavam em maior ou menor grau os contos que criei neste período, à medida que passei a encontrar uma voz literária mais sólida.



Qual o ponto de partida para a escrita de cada um dos contos?



Na maioria das vezes é um impulso inconsciente. Coisas que apreendo aqui e ali e, quando postas em papel, viram uma narrativa, uma investigação. Muita coisa que vivenciei, observei, acaba se tornando, também, matéria para ficção. Uma prostituta que não abordava os prováveis clientes é exemplo disto, e acabou virando o conto "Procissão", por exemplo. Em algumas vezes - bem poucas - houve a criação muito lúcida a partir de elementos que gostaria que contivesse, de tramas que ia juntando até poder dizer: quero contar a história tal.




O título do livro sugere um desencanto. Com o quê?


Com os sentimentos e atos humanos, se puder simplificar assim. Apesar de ser um otimista que vê pérolas mesmo no chiqueiro. Logo, não faço uma literatura desencantada, amarga.




Durante a leitura parece que o leitor está em contato com a náusea. É pertinente para você autor, está leitura?


Acho que é uma leitura exagerada. Por mais que o termo "sordidez" possa suscitar isto, tenho certeza que meu texto passa longe de uma literatura "marginal", por exemplo. Os ambientes sórdidos não são foco no livro, bem como outras ferramentas deste tipo de literatura, como palavrões, sexo, etc. No fim das coisas, quero crer que lanço um olhar até bem generoso com a devassidão que habita algumas almas.




As narrativas eliminam o conforto, devido as situações insólitas que se desenrolam. Isso era uma intenção?


Era. Quero crer que este enfrentamento se desenrola de maneira sutil, nunca pensando em dar tapa na cara do leitor. Mas houve uma preocupação em permear os contos de elementos que desacomodassem, dessem uma abordagem um tanto quanto pontiguada em situações que, às vezes, são bem prosaicas.




Você é publicitário. A capa do livro faz menção a uma das narrativas, quando um pai aconselha que as filhas não devem ter como modelo a boneca Barbie. Está idéia sobre condicionamento do comportamento social é uma preocupação sua, enquanto autor?


Mais do que preocupação sobre condicionamento do comportamento social, me preocupo com rótulos lançados a todo momento, não só pela mídia, mas mesmo com pressupostos que, muitas vezes, são antropológicos, sociológicos. Mas o conto a que você se refere, "Veja bem, não vamos perder a oportunidade", juntamente com o conto "Subúrbio" são minhas tentativas mais claras de debater questões raciais - aí, portanto, implícitos comportamentos sociais, estereótipos que devem ser discutidos. Ainda quero conseguir alcançar o talento de uma escritora como Toni Morrison para fazer isto com singeleza, força e lirismo. Por enquanto, vou trilhando o caminho.



Na literatura contemporânea, avistamos poucos autores reflexivos. Ou capazes de propor reflexões, porque armam seus textos de uma ação que encobre a possibilidade concomitante do ato reflexivo. O que não é o caso de suas narrativas. É uma opção toda a arquitetura mental dos textos, levando a ação para cantos insuspeitos, rarefazendo a trama como um modo de bater a carteira do leitor que se mantém na superfície narrativa?


Eu acho que é uma opção, mas só a partir do momento em que consegui fazer isto (acredito eu), sem soar chato ou panfletário. Armar alguns labirintos e arcabouços para, como você diz, bater a carteira do leitor, vem de observar muito e ter uma formação literária que privilegia a análise da obra de autores latinos, mais especificamente Cortázar e Bioy Casares, que conseguem fazer isto muito bem, pegando o leitor pela mão e levando-o para onde bem entendem. E com trama, com enredos instigantes, contando belas histórias.

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