Conto Reescrito

A Mensagem*

Dedicado a Paulo Lins

Marco arremessa a lata para cima da laje. Juninho a joga para outra e Bira a atira para outra quase infinitamente até a lata chegar ao destino. As últimas mãos a pegarem na lata, sempre de leite em pó, a destampa e verificam se o combinado está depositado no interior. Se a coisa está correta, a lata volta a fazer todo a caminho inverso até chegar às mãos do primeiro que a arremessou e dentro dela está o pagamento, quase sempre em dinheiro; outras vezes em favores com indicações de quem deverá fazê-los em bilhetes mal-escritos, com letras cheias de garranchos e erros de ortografia. Mas o premiado não ligava importância a isso.

Na segunda-feira a lata chegou um tanto amassada. Dentro dela o bilhete de um informante: "Maurinho, cuidado". Maurinho leu o bilhete e logo telefonou para Marco para saber se o informante ainda estava com ele. Marco respondera que sim. "Coloca ele aí no telefone”. “Fala, Branco”."Fala”."Que porra é essa, hein?" "Foi o que eu soube”."Mas soube o quê, piá?" "Que mandaram você ter cuidado”."Mandaram quem?" "Se eu soubesse, o bilhete iria estar completo e o serviço seria mais caro. ” "Bota o Marco aí”."Marco, mata esse cara".

Na terça-feira a lata fora substituída por outra novinha. Rolou por cima das lajes e nela havia mais um bilhete. E para espanto de Maurinho dizia a mesma coisa do anterior. A mesma conversa ao telefone com outro informante e nada do mistério se resolver. Outro morto.

Na quarta-feira Maurinho decidiu procurar uma mãe de santo. Explicou tudo o que estava acontecendo e ela colocou os búzios e neles se evidenciava uma tragédia. Ela não tinha outra coisa a dizer senão o que já havia sido dito: "Cuidado Maurinho".

Desse dia em diante, Maurinho redobrou a segurança. Não recebia visitas sem antes uma forte inspeção para saber se estavam armadas ou carregavam dispositivos que pudessem lhe custar à vida. Redobrou a grana dos policiais. Fortificou o armamento de todo a quadrilha. Contratou olheiros. Diminuiu o número de mulheres e passou a vigiá-las pessoalmente. Durante todo o tempo foi prudente: comprou um cão para provar a comida e canário para controlar a atmosfera de gases letais. Instalou um circuito de câmeras nos principais becos. Quando julgou que tinha feito todo o necessário descansou.

Na sexta-feira a lata subiu com um brilho tão agudo que feria os olhos. Parecia uma estrela arremessada céu acima da favela. Um pequeno sol que rumava para o alto do morro e que se instalaria nas mãos de Maurinho.

Maurinho não estremeceu ao ler a mensagem. Não tinha medo. Estava prevenido. Preparado para o que quer que fosse. Subiu a laje e começou a dar inúmeros tiros para o alto e gritava para o filho–da–puta aparecer. "Aparece, filho-da-puta", "Aparece pra ver". A mensagem dizia: "Maurinho de hoje você não passa”.Desceu a quadra da escola para o baile que estava acontecendo. Cercado por um sem número de seguranças. Todo aquele que achava suspeito, mandava matar.

No sábado, mais calmo, foi ao churrasco do sobrinho. A casa estava cercada, a rua fechada. As crianças brincavam. Um grupo de pagode tocava. Maurinho parecia feliz. Abraçava os parentes. Quase esquecido dos bilhetes. A arma deixou em cima do armário da cozinha.

Até que Zequinha estourou os fogos.

Alerta. Vozes no rádio. “Lá em cima”. Os homens arrancando com carros e motos. As casas se fechando. Conflito iminente.

"É comigo", gritou Maurinho. "Ninguém se mete". Subiu até o alto, onde estava o vulto. A noite parecia ter descido completamente sobre os dois. "Olha pra mim seu filho-da-puta!". O vulto aproximou-se da claridade. Não tinha rosto. Lembrou-se da mulher dos búzios. A gargalhada louca de Exu. Procurou a cintura arma na cintura. "Cê tem que morrer.”.Talvez tenha sido a última coisa dita por Maurinho. Ouviu–se um grito. Os homens da quadrilha avançaram. O corpo do chefe estendido numa poça de sangue. Longe, o vulto descia o morro. Dispararam tiros. Nenhum parecia atingi-lo.

A lata aberta estava caída mais à frente com um bilhete: "Eu avisei”.



*Vencedor do Concurso Exercícios Urbanos/Abril 2007 realizado pelo Portal Literal.

Comentários

Mano Mariel,

Vale a pena sim entrar num livro, dos seus contos, é um dos quais gosto, que está completo, que não soa como fragmento ou parte de algo maior. Por falar nisso, A Caderneta reúne as mesmas qualidades.

Só uma coisinha: no primeiro parágrafo (...) "e Bira a atira para outra quase infinitamente até a lata chegar ao destino (...) esse "quase infinitamente" me soa extranho, eu cortaria, melhoraria...

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Beijos

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