As Minhas Recusas Editoriais

Começarei a publicar aqui minhas cartas de recusa por editoras deste país. Para iniciar, colocarei na íntegra a minha correspondência com o editor da Língua Geral, Eduardo Coelho. A primeira correspondência se refere ao livro John Fante Trabalha no Esquimó, que logo seria publicado pela Editora Cáliban, com o sucesso de crítica que me surpreendeu bastante.


“Caro Mariel Reis:

Examinamos seus originais. Agradecemos, mais uma vez, o envio dos mesmos. Não há correspondência entre a linguagem dos textos e aquilo sobre o que você narra. Seu universo temático relaciona-se a questões contemporâneas, embora pinceladas por algum ultra-romantismo. Referimo-nos, neste caso, a elementos das narrativas de horror, que aparecem de forma discreta, mas determinante, e principalmente às imagens a que você recorre.Parece-nos, sobretudo, que você precisa modernizar o seu estilo e as imagens com que trabalha. Em relação ao primeiro caso, observe como as frases longas retardam o tempo da sua narrativa, o que não é nada bom para a estrutura fragmentada do seu texto. Falta, também nesse ponto, coerência entre os elementos estruturais do conto. Observe: "Não podia deixá-la prosseguir carregando as coisas amontoadas no meu espírito como um catador que fuçasse no saco da minha alma a tralha que tivesse serventia e a levasse de mim para vendê-la numa dessas feiras de calçada." Observe como a frase se alonga mais do que devia. Tente encurtar as suas frases, torná-las mais diretas e evitar este imaginário ultra-romântico de alma, espírito e coisas afins, pois torna o seu texto anacrônico. Esta frase, por exemplo, poderia ser de um autor ultra-romântico: "As paredes tatuadas de segredos porejam queixumes". É necessário criar uma linguagem própria, mais sua, mais particular. Mais uma caso: "Sua boca num amontoado de carícias executa o catecismo dos gestos enamorados."; outro: "Sonha o antigo sonho de que era comida por um cavalo azul". São clichês, mais uma vez, do século XIX.Outro item importante em relação ao anacronismo relaciona-se à colocação pronominal. Observe que você respeita, ortodoxamente, as normais gramaticais e pouca atenção destina à nossa prosódia. Conseqüentemente, muitas vezes seu discurso soa muito artificial: "Sei-me um navio velho." Tanto a imagem como a sintaxe são do século XIX. Para seu tipo de enredo, a sintaxe é muito normativa.

Observe que é possível dialogar com essas questões ter aderência imediata a elas. Lygia Fagundes Telles, por exemplo, tem muitos contos que dialogam com a tradição romântica, mas sem entregar-se ao romantismo. Falo dessa questão mas sem saber se é proposital. Talvez você faça isso intencionalmente ou seja apenas uma coincidência, mas seu texto me parece muito ligado ao século XIX.Mais uma observação: dê mais voz aos seus personagens, crie o suspense também por meio deles. Vai tornar a narrativa mais dinâmica. E tente elaborar mais os textos, às vezes parecem acabar antes do tempo.Espero que as sugestões tenham alguma serventia. É a maneira como a Língua Geral tenta retribuir a atenção do autor conosco, por nos ter enviado seus originais. Trata-se de um procedimento realizado com o máximo de respeito e admiração.
Atenciosamente,

Eduardo Coelho”


O aproveitamento de uma carta desta natureza é mínimo, porque quem a escreve não possui talento para provar que suas teorias estão corretas, é apenasmente alguém que precisa selecionar o que lhe chega nas mãos, determinando aquilo que poderá ser mais rentável e com um nível – mesmo que mínimo – de qualidade para não ser acusado de estar publicando folhetins como Júlia ou Sabrina com mais violência e sexo. Porque sigo o conselho do mestre Autran Dourado: “Só pode dar conselho sobre um texto literário aquele que já realizou bons textos de mesma natureza. Caso contrário,será sempre um palpite”. O tempo é curto para se valorizar palpites como se fossem jóias colhidas vindas do céu.


A segunda carta se liga ao livro de poemas Cosmorama. Este pequeno livro com 34 poemas, foi lido por especialistas como Leonardo Fróes, Armando Freitas Filho e Jorge Tufic. Participaram de sua leitura outros nomes não menos importantes como Izacyl Ferreira Guimarães, Nei Duclos e Antônio Carlos Secchin. Coroando tudo isso, eu recebo um comentário elogioso de Adriano Espínola. Também foi enviado para a mesma editora acima, Língua Geral, que publicou Balés de Bruna Beber, em recente caso da editora com a poesia, que na minha vez, só porque esse livro era inquestionável, vi a oportunidade esgotada pela seguinte resposta:




“Caro Mariel:
A editora não está recebendo originais de poesia. Já recebemos uma série deles neste ano e alguns já foram selecionados, de modo que já temos uma cota reservada para o próximo ano.Atenciosamente,Eduardo Coelho”


Não dissertarei aqui sobre o mérito da qualidade da poesia publicada por esta Casa Editorial, mas, estranhei, porque o selo é recente e como tantos títulos de boa poesia surgiram entre a publicação do livro referido – Balés- o anúncio no mesmo livro dos próximos a serem publicados e a minha proposta.
* Os frisos são meus.

Comentários

Anônimo disse…
Obrigado Mariel por sua exposição corajosa e desinteressada. Sei que o elogio é um venono, agora aquele cara que lê os textos para serem recusados, chamar suas linhas de algo próximo ao romãntico é de uma (...). Sou um leitor de Mariel Reis, e busco seus livros a cada lançamento, e seu blog quase que diariamente justamente para me presentear com essas cores concretas, viscerais e avessa ao oceano de mediocridade que é os grandes veículos de comunicaçaõ de massa.
Não desista Mariel!Nunca! Não se venda!Nunca!
Anônimo disse…
Vc sabe, nós sabemos, que se você come alguém lá dentro (ou dá), ou vira amiguinho e dá uma babada de ovo (como vi umas duas ou três vezes só com a LG, que publica ou está intressada em publicar alguns dos piores jovens autores do Sec. XX, seguindo a receita nefasta de outros nichos paneleiros no país) vc fica acima dessas avaliações aleatória de alguém que sequer conhece algo da crítica literária mais básica. Os editores da LG não estão interessados em literatura. Os editores são dondocas e dondocos... Enfim, tem que comer alguém... e porra, Mariel, tu é feio pra caralho!!!
Anônimo disse…
Acho que você deveria estar feliz, pois a Calibán é uma ótima editora e muito mais íntegra que essas que aí estão.
abraços
Anônimo disse…
Obrigado pelo "feio pra caralho", isso me tirou da cabeça tentar uma carreira como modelo. rsrsrs. Valeu os comentários. Eu sou lerdo à beça para descobri-los, mas sempre que posso agradeço.

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