Uma História - rascunho

Os cartazes fixados no DPO são fotocópias ruins; pretendem, através de números telefônicos e endereços eletrônicos, coletar informações sobre os inúmeros desaparecidos da constelação do mural.

A maior parte dos dados revela enfermidade, mas, se observados os cartazes, os outros apenas diluíram-se na multidão da cidade, embora portadores de registros de identidade e cadastros de pessoa física. E nunca mais fizeram contato com a família.

O táxi aproxima-se; não temos, em termos exatos, nesse final de ano, o número de pessoas que saíram de casa e não retornaram a ela. O taxista, após nosso embarque, interessado, ouve o relato de que muitos desaparecidos - excetuando-se mortos e deficientes mentais - trocam de identidade, constituem nova vida e nunca mais se voltam para a existência abandonada.

O taxista surpreende com um relato radical: após a morte materna cortou os laços familiares, mesmo com o restante dos parentes vivos, optou por adotar um anonimato incomum: sem filhos, sem mulher, sem endereço fixo.

As notícias sobre ele, desconfia o taxista, os amigos comuns, com os quais mantêm contato, se encarregam da circulação. Assim ele acredita é que seus irmãos e irmãs devem saber de notícias dele.


Descemos perto da Uruguaiana, lá nos esperava o doador de uma impressora a laser. Embarcamos a geringonça. Voltamos para a comunidade com a crença de que muitas pessoas mudam radicalmente suas vidas. Inclusive apagando a si mesmas e seus rastros da existência dos outros, como o nosso taxista, que ao final da corrida enfatizou: "É a última vez, provavelmente, que vocês me vêem".



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