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I.
Quando criança, numa casa que
ficava além da linha do trem, em Pavuna, quando ainda existia a cancela
ferroviária, minha mãe costumava freqüentar a casa de uma senhora cuja filha se
chamava Raquel. Não me parecia a uma criança normal, porque introvertido, era
difícil minha socialização, e qualquer relação além das ordens habituais a que
uma criança é submetida, era um esforço sobre-humano. E nunca fiz questão de ir
além de mim mesmo, o que me custou a seguinte conversa entre os adultos: -
Maria Emília ele é normal? Nenhuma mãe quer um filho anormal e como saída para
o constrangimento, despertou-me do alheamento com uns sopapos - que tiveram
efeito apenas enquanto aplicados. Recaí, outra vez, em um ostracismo interior,
em uma indiferença quase mística, como repúdio ao mundo real. Na escola
primária, Otávio Kelly, juntamente a um garoto mais esperto, Renato, que me
achava insólito, limpava as mesas do refeitório enquanto as aulas corriam.
Renato, assim que o tempo se extinguia, saía de minha companhia, enquanto eu me
divertia varrendo os corredores. Os idiotas só não eram separados por
professora Sandra que tinha uma crença íntima de que talvez se tratasse de
distúrbio psicológico ou neurológico ou complexo. E apontava a necessidade de
acompanhamento médico para os casos mais graves. Era a turma de CA. Antes que
desfechassem contra mim a sentença definitiva aplicaram-me a prova para testar
se havia aprendido alguma cousa em minhas visitas fortuitas à sala de aula.
Promovido à quarta-série, saí do rol piedoso tão confortável. Tudo isso me
retornou à lembrança porque assisti Rain Man no Telecinecult.
II.
Um grupo de jovens
universitários, entre eles uma moça bonita, foram à minha escola, em Pavuna,
falar de poesia. Acentuo que minha misantropia sempre me atirou aos ofícios
solitários, embora tivesse bons amigos por lá. Era o ginásio. Sexta série. Em
casa, a fome. A extrema magreza ainda pode ser vista através de fotografias dos
eventos escolares. E persistiu durante longo período, obrigando-me a um
rodízio, na casa de amigos e conhecidos, para almoçar e jantar. Além da casa de
meus primos: Alexandre dos Reis e Julio Dias. A fome não me tornou um poeta
melhor ou pior, cito-a porque conviveu simultânea a leitura e confecção de
poesia. Acentuava a beleza do contato com os poetas como Audálio Alves, poeta
lido à época, meu primeiro contato com Pernambuco. Os jovens universitários
também me salvaram, colocaram em lugar seguro o meu espírito.
III.
Meu primeiro emprego, de
carteira assinada, office-boy, foi em uma empresa de contabilidade: Assessoria
Contábil Locatelli. A danação das multidões relâmpagos, pilhas de documentos
para entrega, o taylorismo para execução do trabalho e um caderno com anotações
de sósias de escritores encontrados em minha perambulação pelo Centro descrito
no conto John Fante Trabalha no Esquimó. Vez por outra, fugas às livrarias,
encontros fortuitos em cafés com Augusto Sales e intromissões nos sebos. Um
conto publicado na revista Ficção, com lançamento em um restaurante no Jardim
Botânico, fez com que eu conhecesse alguns escritores. No dia seguinte a rotina
do batente. Um dia, cruzando a Sete de Setembro com Rio Branco, reconheço um
poeta que célere quer alcançar a outra margem da calçada: Carlito Azevedo.
Conversamos uns breves minutos e ele puxou da bolsa o livro Sublunar (2001) e
me presenteou. Poesia em trânsito. Meus passos se tornaram mais leves dali por
diante, mergulhado no abismo invertido dos edifícios espelhados do Centro.
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