Duas Palavras
Duas Palavras Sobre o Ensaio
Não há acordo
em torno da definição do que é ensaio. Embora permaneçam contradições acerca de
suas características e objetivos, decidimos por situá-lo como um texto literário breve, situado entre o
poético e o didático, expondo idéias, críticas, reflexões éticas e filosóficas
a respeito de certo tema. É uma definição elástica o bastante e permite-nos
a condução do assunto para as suas origens. A primeira vez em que se ouviu
falar a palavra ensaio foi através do escritor e filósofo francês Montaigne que
assim intitulou uma de suas obras, Ensaios, publicada em 1580. Outra ocorrência
da mesma palavra se dá na Inglaterra, em 1597, com o filósofo Francis Bacon,
publicando obra homônima da de seu companheiro de profissão. Há, naturalmente,
divergências quanto ao surgimento do ensaio e muitos não hesitam em apontá-lo
já presente, como forma, na Antiguidade, representado por Platão, em seus Diálogos,
cabendo a Bacon e a Montaigne não apenas a classificação, mas a consolidação do
gênero. Esta breve exposição é o indicativo das inúmeras discussões em torno da
origem, características e objetivos do gênero, o que não o impediu de possuir
cultores em todos os períodos históricos: Plutarco, Voltaire, Ralph Waldo
Emerson, Mario Vargas Llosa e Gilberto Freire.
O ensaio como
é um gênero flexível, porque não podemos determinar sua natureza especifica,
não podemos deixá-lo de entender como parte do romanesco, como algo que se
ergue sobre uma estrutura ficcional, seja para versar sobre um aspecto do da
realidade chamada objetiva, que está em interação direta com nossos sentidos;
ou, da realidade subjetiva, sujeita às ondulações de nosso íntimo. O caráter
ficcional do ensaio, porque se encontra apoio numa natureza subjetiva, tudo
pode ser dito através de sua estrutura, porque se assemelha ao romance, que é
como ele tão flexível e sem fronteiras delimitadas para a abordagem do objeto
do qual trata. O ensaio, podemos deduzir, é um gênero, embora careça certas
vezes da formalística da prova, isto é, a presença documental para comprovação
dos fatos expostos, onde os elementos que o constituem não experimentam
contradição, porque se somam para a apoteose da abordagem. E, se o ensaio,
assumindo a sua perspectiva ficcional, está para o romance, como um território
sem lei e, se nele podemos discutir tudo, acreditamos que na contemporaneidade
ele tenha se modificado, devido às contaminações ocasionadas pelas mudanças das
plataformas de comunicação. Se com Gutenberg houve um salto informacional, com
o cinema, com a televisão e, por último, com a internet, tudo isto pode ser
multiplicado inúmeras vezes para compreendermos o seu efeito. E as produções
culturais se contaminaram em contato com esses meios.
A crença de
que todo o aparato tecnológico e cultural influencia nossa instrumentação no
ritual de observação do mundo não pode ser desprezada. E, no Brasil, somada à
sua própria peculiaridade, na era televisiva conformamos outro tipo de objeto
cultural – a novela. E, se estendida nossa particularização, podemos
confrontá-las ao desfile das escolas de samba cariocas. Em ambas, há a presença
do enredo, fio condutor do que será narrado. E ali serão vistos todos os seus
desdobramentos, pertinentes à linha defendida pela agremiação ou pela autora da
novela. Na contemporaneidade, com a extinção das fronteiras, creio que tanto a
telenovela, quanto os desfiles de escola de samba são as novas formas do
ensaio. Devem existir as novíssimas formas, oriundas de trabalhos de artistas
plásticos conceituais que, em sua busca por uma expressão particularizada,
arriscam a implementação de outros recursos tecnológicos mais avançados e
artifícios de última geração, quase contrastando com a realidade terceiro-mundista
do país.
E se a
teledramaturgia é uma espécie ensaística tanto quanto o é o desfile das escolas
de samba, deveria ser utilizado como instrumentos educacionais. Contudo, a
ortodoxia e nosso atraso mental não permitem. Ambos os objetos possuem comunicabilidade
e a facilidade com que estabelecem vínculos com o espectador assombra e seduz.
Na minha infância soube quem era Tiradentes através do samba: Joaquim José da
Silva Xavier/Morreu em 21 de Abril/Pela Independência do Brasil/Foi traído e
não traiu jamais... Outro aspecto visto nas aulas de Biologia, exemplificado
nas ervilhas por Gregor Mendel, a questão da genética foi tema da telenovela de
Glória Perez, O Clone, protagonizada por Murilo Benício. O ensaio, principal
tema do artigo, sofreu as transformações impostas pelo tempo, atualizou-se por
ser camaleônico, por ser cumulativo, por ser tanto quanto romance um território
sem lei. E, justamente, devido a esse seu aspecto pode manifestar
sub-repticiamente, nos gêneros em questão: a novela e o desfile das escolas de
samba. É lamentável que o preconceito não permita um diálogo mais frontal
quando da discussão do gênero em ambientes acadêmicos, limitando-se à sua forma
engessada. Algumas universidades, é bom fazer notar, já flexibilizam suas
avaliações, permitindo que no lugar da tese, o individuo possa entregar um
romance onde estejam presentes os pontos de sua pesquisa como cristalização de
sua apreensão do conteúdo do curso. É um avanço, mas, a certeza de que podemos
ir mais longe não pode ser abandonada.
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