De Marcelo Moutinho no Blogue Pentimento
John Fante trabalha no Esquimó
Escrito em 02 de dezembro de 2008
Li ontem, de uma sentada, John Fante trabalha no Esquimó (Calibán), o novo livro do Mariel Reis. A obra é, sem dúvida, um passo à frente no trabalho que o autor vem realizando nos últimos anos. Em primeiro lugar, porque ele resolveu os dois problemas que, a meu ver, estorvavam Linha de recuo, a seleta de contos com a qual estreou em vôo solo. A saber: a irregularidade qualitativa entre as narrativas e a falta de organicidade.
Havia uma evidente força naqueles contos, que entretanto não se integravam nem sob o aspecto formal, nem sob o viés temático. Parecia-me, como lhe disse na ocasião, uma simples recolha de textos engavetados. Bons textos, decerto. Mas reunidos sem a coesão de uma ‘obra’. O que não acontece em John Fante trabalha no Esquimó, e embora a qualidade do novo livro não depreenda apenas disso.
Acredito que a grande virtude de Mariel foi ter encontrado um ponto ótimo não só entre forma e conteúdo, mas também entre a malha quase sempre sublimada da literatura e o tecido espesso e sem glamour do dia-a-dia. Coisa de quem conhece o riscado das mais remotas vielas e paga o preço de se equilibrar na corda bamba. De quem não se tranca nas salas da Academia ou nas bibliotecas, não obstante saiba que a arte é, sim, escudo.
A impressão é de que o autor enfim achou seu tema e seu jeito de narrar. Salpicados ao longo das 12 narrativas, o conhecimento específico e as leituras de Mariel se integram muito bem às histórias contadas com fúria e delicadeza. E o principal: o jogo com a meta-ficção não reivindica protagonismo. O que representa um alívio nesse panorama tão auto-referente da literatura brasileira contemporânea.
Bom exemplo é o conto A visita, que remete a Drummond, ao trazer o personagem José do poema para a prosa – e, num movimento paralelo, das páginas para a ânima das ruas (ainda que imaginárias). Em Sangue e areia, Mariel explora a tensão entre o idílio da infância e a barra-pesada dos morros cariocas com extrema criatividade, entremeando cenas de dois tempos na trajetória do personagem: as peladas no campinho de várzea e um ‘justiçamento’.
Meu texto preferido, porém, é A boneca. Com apenas duas páginas, o conto tem como mote uma prosaica viagem de táxi na qual o passageiro carrega a boneca recém-comprada a que alude o título. O enredo pode parecer banal, mas seu desenvolvimento é extremamente inventivo. Num lance abrupto, Mariel expõe nossa fragilidade - e lembra que as armas contra a solidão são sempre de brinquedo.
Escrito em 02 de dezembro de 2008
Li ontem, de uma sentada, John Fante trabalha no Esquimó (Calibán), o novo livro do Mariel Reis. A obra é, sem dúvida, um passo à frente no trabalho que o autor vem realizando nos últimos anos. Em primeiro lugar, porque ele resolveu os dois problemas que, a meu ver, estorvavam Linha de recuo, a seleta de contos com a qual estreou em vôo solo. A saber: a irregularidade qualitativa entre as narrativas e a falta de organicidade.
Havia uma evidente força naqueles contos, que entretanto não se integravam nem sob o aspecto formal, nem sob o viés temático. Parecia-me, como lhe disse na ocasião, uma simples recolha de textos engavetados. Bons textos, decerto. Mas reunidos sem a coesão de uma ‘obra’. O que não acontece em John Fante trabalha no Esquimó, e embora a qualidade do novo livro não depreenda apenas disso.
Acredito que a grande virtude de Mariel foi ter encontrado um ponto ótimo não só entre forma e conteúdo, mas também entre a malha quase sempre sublimada da literatura e o tecido espesso e sem glamour do dia-a-dia. Coisa de quem conhece o riscado das mais remotas vielas e paga o preço de se equilibrar na corda bamba. De quem não se tranca nas salas da Academia ou nas bibliotecas, não obstante saiba que a arte é, sim, escudo.
A impressão é de que o autor enfim achou seu tema e seu jeito de narrar. Salpicados ao longo das 12 narrativas, o conhecimento específico e as leituras de Mariel se integram muito bem às histórias contadas com fúria e delicadeza. E o principal: o jogo com a meta-ficção não reivindica protagonismo. O que representa um alívio nesse panorama tão auto-referente da literatura brasileira contemporânea.
Bom exemplo é o conto A visita, que remete a Drummond, ao trazer o personagem José do poema para a prosa – e, num movimento paralelo, das páginas para a ânima das ruas (ainda que imaginárias). Em Sangue e areia, Mariel explora a tensão entre o idílio da infância e a barra-pesada dos morros cariocas com extrema criatividade, entremeando cenas de dois tempos na trajetória do personagem: as peladas no campinho de várzea e um ‘justiçamento’.
Meu texto preferido, porém, é A boneca. Com apenas duas páginas, o conto tem como mote uma prosaica viagem de táxi na qual o passageiro carrega a boneca recém-comprada a que alude o título. O enredo pode parecer banal, mas seu desenvolvimento é extremamente inventivo. Num lance abrupto, Mariel expõe nossa fragilidade - e lembra que as armas contra a solidão são sempre de brinquedo.
Comentários
ASS Diego Reis
Feliz natal e vê se manda notícias