O Erotômano Imperfeito
Texto escrito para concorrer ao prêmio Eu, Leitor(a) da revista Marie Claire
As revistinhas de sacanagem não estavam mais na estante do armário. Isso era um bom sinal, se era. Decidi naquela manhã pelo meu bom mocismo. Eu não castigaria mais as imagens de homens e mulheres trepando para valer. Eu não assistiria mais aos vídeos eróticos enfileirados que formava toda minha coleção de obras erotômanas. Minha mãe não largava do meu pé, dizendo para eu arrumar uma garota, acabar com as reuniões que se estendiam até altas horas da noite, com a presença daquelas mulheres de papel, dois amigos que traziam também as suas e uma menininha safada do quarteirão fronteiro da casa – que às vezes facilitava para que minha mão tocasse seus peitinhos, coxas e bunda. Não era lá grande coisa, mas para um moleque não poderia passar em branco, me sentia Napoleão passando embaixo do Arco do triunfo após suas vitórias.
Isso tudo um dia foi perdendo o sentido, talvez com o passar do tempo, a adolescência sendo deixada em um compartimento escuro, repleto de privações e frustrações, indicasse que o meu caminho seria melhor dali para frente. Eu só conhecia a carne, seguia o ensinamento sagrado: comer carne, cavalgar carne, por carne dentro da carne. Mesmo que em minha imaginação. Porque a parada era dura com as meninas e elas só tinham uma coisa em mente: casar. Um pirralho como eu casar? Estavam loucas. Nas brincadeiras de médicos eram generosas, ofertando para consulta suas partes ocultas para injeção, curavam-se do mal que as afligia. Ali tirava o meu sarrinho, sempre de leve, porque naquele tempo não tinha condições de associar que o meu piu-piu caberia em um espaço tão estreito quanto o do sexo de uma menina.
Eu tinha curiosidades. Algumas curiosidades eu procurei satisfazer – como colocá-lo, o piu-piu, no aspirador para saber se seria sugado ou não. Ou alojá-lo no macio e quente monte das bundinhas tenras das moçoilas que se atreviam a me dar confiança.
Na brincadeira ensaiavam-se os desejos adultos sem que tivéssemos consciência – se existia mesmo alguma não era proposital, era algo puro como naquele filme Lagoa Azul, só que com um pouco mais de safadeza. O tal polimorfo perverso, Freud me destruiu a pureza quando cunhou esse termo, porque define bem certos tipos.
Não poderia dizer que encontrei meu amor de forma inesperada – porque esse aconteceu muito tempo depois e está sendo contado no momento por uma rival que se atreverá a me tomar o cetro de rei, caso a revista odeie essas reminiscências sacanas, porque sou alguém pouco dado a amores platônicos, resolvendo-me pela carnalidade. O corpo é a morada suprema da alma caso isto exista; caso não, esse principio anímico que nos inspira, a eletricidade que conduz os impulsos através de nosso corpo será a responsável pelas contrações respiratórias e divinatórias quando ausculto o céu como se investigasse um mapa para saber o motivo de o homem ser como é: tão imperfeito e capaz de maravilhas.
Então, a sacaninha que me encantou a primeira vez, porque essa história tem a ver com a primeira vez e a maneira inesperada como encontrei o meu amor, mesmo sendo o primeiro. Será que há um número limitado de amores para se encontrar? Ou tudo não passa de um engano, porque temos os olhos ocupados para percebê-lo quando se apresenta? É uma resposta difícil, mas a vida é ensaio para inúmeras respostas que não se concretizam como a própria existência é um ensaio incabado.
Aquela safadinha – prefiro chamá-la pelo apelido carinhoso Valentina – isso não é de maneira alguma seu nome real, porque hoje é mulher direita, casada, situada nessa cidade, negríssima e triste. Triste como uma noite que não se orgulhasse de suas estrelas, nem de sua luz emitida por constelações distantes por planetas quem sabe até mortos.
Valentina era amiga de minha irmã – sempre tinham o que conversar. Mulheres arrancam assuntos dos motivos mais inesperados – quando menores parecem vir de algum lugar recôndito e escondido como aquele jardim secreto que só elas visitam. Nós, os homens, bobões, admirados apenas por pedaços de coxa, peitinho ou a cor da calcinha não temos a metade da metafísica da alma feminina, nem a entendemos. Mas para quê também? Seria um trabalho inútil. Porque a natureza assim quis. Mesmo o carinha que se forma em Oxford continuará preso a essa carga de indiferença genética que o guiará ao caminho da reprodução, dominação e exploração do universo feminino, ainda que apele para artimanhas mais sofisticadas – porque isto as mulheres exigem: que dominemos, mas que sejamos inteligentes, bonitos (porque é barato ser bonito hoje em dia: é só ter um limite de cartão de crédito muito grande e o conhecimento de um bom cirurgião), humorados, etc. Nesse quesito não posso me queixar, ganhava aquele simpático quando era avaliado pelas colegas de minha irmã. Valentina era a minha preferida. A pele de ébano, os lábios carnudos, olhos expressivos, corpo – se posso chamá-lo dessa maneira – atraente; acho que até um cabo de vassoura bem vestido me atrairia porque meus hormônios se manifestavam com freqüência sobre minhas preferências sexuais.
Valentina não deixava por menos, sabia de minha fraqueza, da minha queda por ela e não me poupava tomando em pleno verão banho de mangueira na calçada de casa, com camisa branca, sem nada por baixo. Viam-se aqueles carocinhos apontarem, nem seios eram, mas já o suficiente para me enlouquecer. As bermudas curtinhas, deixando a polpinha do bumbum a mostra, sorridentes. Talvez fosse amor – os animais quando estão no cio se amam em algum grau? Ou não se amam? Eu estava apaixonado pela inesperada Valentina, porque a todo instante quedava as mãos para perto do meu piu-piu, cochichava-me indecências – hoje quando relembro eram de uma pureza impar. Mas o momento singular que me despertou para o amor de Valentina não tem o inesperado que as cartas das leitoras se apressarão em mostrar, porque não tinha teor erótico.
Um dia cheguei à casa de Valentina. Ela chorava desconsolada. Tentei me aproximar para sondar o motivo das lágrimas, conversando com as palavras que encontrava que tentavam mostrar maturidade e se embaralhando quando julgavam ter achado. Valentina me mostrou o caixãozinho do passarinho de estimação, me abraçou de uma maneira que não recordo como reagi. De alguma forma aquilo era o tal amor, porque o meu pinto não endureceu com a demonstração de afeto, havia algo calmo insinuado em meu peito, não tinha aquela aflição em lamber, meter as mãos entra as pernas dela. Nada disso me passava pela cabeça. Só queria mesmo ampará-la, tê-la quieta como o passarinho que enterramos na praça perto de casa. Quando acabou o enterro, ela me beijou – sem aquela pressa de se lamber como tínhamos quando brincávamos de médico. Talvez fosse mesmo o amor, seguido sinistramente pela morte, rastreado no peito de um sacana que era eu, naquele dia mal iluminado da minha pré – adolescência.
Depois do beijo, fiquei passando a língua nos lábios para renová-lo. Meus irmãos riam muito do meu gesto, me acusando de estar maluco. Aquela era a única forma de recordar a maciez dos lábios, a impressão do corpo que já ganhava outro significado na minha memória afetiva.
Talvez fosse o amor – inesperado, não. Porque estava ali ao lado, bem perto. Quando Valentina anunciou que se mudaria com a família, entrei em uma depressão profunda, não quis mais saber de nada, abandonei os estudos, parei de tomar banho durantes seis meses, vestindo a mesma roupa ensebada do meu primeiro encontro com Valentina.
Minha irmã me apresentou outras amigas, mas nada resolvia o impasse instalado em meu espírito.
O tempo passou. Eu fiquei mais gordo e feio. Metido a intelectual, assistindo aos mesmos vídeos pornôs, mas em motéis baratos em companhias agradáveis, sempre com a desculpa de apimentar a relação, dar um barato ao sexo naquela noite e outras invenções para que a consciência do adulto se justificasse plenamente diante daquela de quando moleque. A carne é triste disse um poeta francês, não me recordo agora o seu nome. Mas um dia cruzei com Valentina em uma das ruas do centro – já mulher e com filhos. Tinha cicatrizes pelo corpo, estava morando em uma dos bairros mais distantes, casada com um sujeito ciumento, que toda vez cismava que a sua preta estava dando mole para alguém a marcava com a brasa de cigarro. Os olhos apagados, o sofrimento entorpecendo o corpo sem alegria, sem o meneio de quadris tão característico do seu andar em outro tempo. A carne é triste, pensei, quando em mim surgiu ainda algum desejo por ela, Valentina.
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