Darlene



Quando cheguei lá, a Darlene tava linda.
Havia comprado o vestido numa promoção, no Saara, com parte da grana da demissão.
O cabelo tava arrumado. O Salão do Seu Geraldo tinha mordido a parte dele.
Darlene perdeu o emprego, porque se recusou a depor sobre um roubo de henê. A menina devia ter uns onze ou doze anos. Conversou com o gerente que pagaria do salário dela, prele esquecer aquilo e tal e coisa.
O gerente não queria conversa. Ladrão é ladrão, não é?
Não demorou nem uma semana, Darlene foi demitida. Uma sacanagem.
Ainda teve um ti-ti-ti, um blá-blá-blá, mas não tiveram coragem para dar justa causa. Também, se o gerente sacaneasse a minha neguinha, tomaria um derrame.
Ele - de bobo só tem a pinta -, pagou todos os direitos dela.
Tinha quase quatro anos de firma. Deu para tirar uma ondinha: trocar o sofá; passar uma tinta e pôr em ordem o barraco.
Quando cheguei a Darlene tava mesmo uma deusa.
O portão todo enfeitado com umas flores de plástico, o pequeno quintal cruzado de bandeirinhas, as mesas forradas por umas toalhas que ela tava pagando a prestação.
Tudo de melhor pro meu nego, ela me dizia.
A geladeira cheia. Ela tratou de me trazer a minha cervejinha, bem gelada.
Quer comer alguma coisa, meu amor? Ela me perguntou cheia de safadeza na cara larga. Não tô com fome, ainda não. Ela sentou no meu colo, toda insinuante. Tirou das minhas mãos o controle da televisão. Aperta aqui, ó. Apontou a bundinha empinada. Dei uma tapa,  mandei ela pra cozinha, ver o forno. Tá apitando.
Não quero estragar meu cabelo, nem minhas unhas. Tira da geladeira a salada de ovos. Traz a cumbuca de arroz à grega e a batata palha. Põe aqui. Vou arrumar a mesa.
Darlene é caprichosa.
Minha mãe só vem mais tarde, me olha de banda. Arrumo o isopor, despejo gelo em cima das garrafas de cerveja.
Quem mais vem, hein, nega?
Pouca gente.
O barraco tá um brinco. Não dá vontade de ir embora. A mesa tá toda arrumada.
Darlene, senta para descansar um pouquinho.
Faz uma massagem, aqui, faz.
Tô terminando de arrumar as mesas no quintal, tá mais fresco. Procuro sumir nessa época, tem muito acerto. E pode virar o ano e a gente não ver o outro chegar.
Vamô, amor, tomar um banho junto.
Tá bom.
A gente vai pro banheiro. O barulho dos fogos.
Mais um ano, hein, nego?
É, Darlene, mais um ano.
E a gente casa quando?
Que isso, eu não posso casar você sabe.
Se largar a vida, pode. Não vou ficar disponível o tempo todo.
E esse corpinho aqui não vai durar para sempre.
Darlene tem razão. A bronca não dura muito tempo.
Deixa isso pra lá...
Ela merece mesmo coisa melhor.
Vamos aproveitar, enquanto não tem ninguém.
Darlene me engole com aqueles olhos. A água do chuveiro escorre sobre nós.
Vai, nego, com força.
As costas contra a parede de cimento. Outra salva de fogos. As pernas bambas.
Por que você não diz que me ama, hein?Diz, vai...
Darlene como uma possessa. Revirava os olhinhos.
O celular toca.
Darlene se enxuga com cara de satisfeita. Atende. É engano.
Você convidou alguém, amor?
Sim.
Tá bom.
Darlene se veste.
A menina do henê não me sai da cabeça. O que será que aquele filho da puta fez com ela?
Não entregou pros homes?
Explico sem me convencer.
Você não tem nada com isso, tem nego?
No portão uma barulheira. Olho pela janela.
Tem gente aí.
É minha mãe, garoto. Depois a gente conversa.
Vai casar ou não vai, meu filho? Os fogos estouravam alto.
Palmas no portão. Darlene, distraída, não vê o sujeito.
Amor, vê lá quem é.
Levo o convidado vai até a cozinha pra falar com a dona da casa. Ele entrega a garrafa de vinho.
Darlene, quando quiser voltar, seu emprego está à disposição.
O estrondo dos fogos aumenta. É meia-noite.
Todos se abraçam. Não se ouve outro rumor, além dos risos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Alexandre Soares Silva

Iberê

Duas Palavras