Teatro de Sombras
A Praça Ênio não abrigava usuários de crack - novidades na região. Funcionava como área de lazer, com duas quadras esportivas, para a diversão do bairro no futebol domingueiro. Mesmo abandonada pelo poder público, a população local insistia em seu uso, requerendo melhorias e segurança para freqüentar a Praça, presa de infratores – pequenos roubos na região que estavam sendo mapeados pelas autoridades através dos boletins de ocorrência lavrados e a interferência de políticos preocupados com o bem-estar pavunense como, por exemplo, a vereadora Rosa Fernandes.
A idéia da Lona Cultural Jovelina Pérola Negra surge para o resgate da auto-estima e a valorização do espaço como um centro de integração do bairro. Hoje notamos as duas quadras suprimidas, a obra da Praça Ênio inacabada. E não foi restituído ao bairro um pólo esportivo como previsto no projeto original da Lona. Isto não foi sequer citado no perfil - tanto pela jornalista Mariana Filgueiras quanto por André Barnabé.
O desfile egóico de uma trajetória vencedora vem cercado de uma sombra que está no fundo da fotografia que ilustra a matéria. No palco está André Barnabé sentado sob foco de luz e atrás dele, na parte superior, aparece a sombra de um homem.
A fotografia é emblemática porque revela a situação vivida pela Lona Cultural Jovelina Pérola Negra, cercada de interesses que envolvem esferas de poder que extrapolam o circuito municipal e se ligam a distúrbios de municípios vizinhos e figuras nebulosas da política brasileira com ambições que envolvem desde o governo do Rio de Janeiro até a Presidência da República.
A sombra, atrás de André Barnabé, não nega a verdade de que ele não está ali sozinho, porque nunca pertenceu à comunidade, não esteve presente na elaboração do projeto da Lona Cultural Jovelina Pérola Negra – aliás, adulterado.
A jornalista Mariana Filgueiras descuidou-se em sua apuração. Não soube olhar com inquirição, não teve faro. Isto é cada vez mais raro no jornalismo brasileiro. Toda história tem um lado B.
O artigo de Humberto Werneck, intitulado A Arte de Sujar Os Sapatos, sobre Gay Talese, escrito para o Observatório da Imprensa, interpreta muito bem esse sintoma contemporâneo caracterizado dessa forma por ele:
“No que se refere à busca da informação, para começar, Gay Talese pertence ao time dos repórteres que saem à rua. O rótulo, que em outros tempos soaria galhofeiro, acabou por se converter em amarga ironia, à medida que se foi tornando rarefeita a categoria dos repórteres que se põem em campo à cata da notícia.
Entrou-se, a certa altura, por um lamentável desvio. Novas e bem-vindas tecnologias, como a internet, que deveriam ser manejadas como ferramentas adicionais, têm sido freqüentemente usadas, nessa busca, como ferramentas preferenciais, quando não únicas, dispensando o jornalista de respirar outro ar que não seja o condicionado das redações. Tudo, ou quase tudo, se resolve ali, por telefone ou diante da tela do computador – e aí está, conjugada aos cortes cada vez mais brutais nos quadros e borderôs das empresas, uma explicação para o conteúdo monocórdio que nivelou, por baixo, boa parte dos jornais e revistas. Se as fontes são iguais, por que também os frutos não o seriam”
Contudo, no jornalismo acontecem milagres. E a fotografia, em que está André Barnabé, com a sombra de um homem por trás, traiu o texto apologético. A força subversora da imagem de levantar suspeitas sobre o que vai dito.
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