Sobre o Filme Chico Xavier

Os místicos de plantão, a plebe espiritualizada e os praticantes da autocomiseração se escandalizarão com minha opinião do filme sobre o médium mineiro Chico Xavier.

Assisti a película com minha esposa que tratou de sensível à abordagem da biografia de Chico.

O roteiro parece (este “parece” é porque não li a biografia) baseado no trabalho biográfico de Marcelo Souto Maior a respeito do médium, mas percebe-se a carência de uma visão pessoal do diretor a respeito do biografado. Se pararmos uma pessoa na rua e perguntarmos sua impressão sobre o “santo de Uberaba” se obterá aquilo que está filmado (à exceção dos evangélicos, óbvio). Portanto, Daniel Filho se revela um ótimo diretor de novelas, mesmo neste longa-metragem que atingiu a marca de quase três milhões de espectadores nas salas de cinema em todo país.

Talvez resida nisto o trunfo sobre o qual está o sucesso do filme.

Em minha opinião faltou uma perspectiva particular do diretor sobre o biografado. Citarei um exemplo que talvez não faça jus àquilo que quero dizer, mas o tornará claro. A filmagem do ator Mel Gibson sobre a vida de Cristo. Pode parecer exagerado, mas ninguém dirá que ali naquele filme não está presente uma visão sobre o martírio de Cristo.

Outra coisa que me parece é que toda a direção do longa-metragem sobre Chico Xavier está baseada na direção de fotografia, que realmente está impecável.

Se me perguntarem de que trata o filme, não titubearei em dar a seguinte resposta: violência. Um menino que começa a ter visões aos sete anos de idade, salvo engano, que não soltou pipa, não namorou, não gozou o período da infância e sofreu atrocidades enquanto vivia com a madrinha, não tenho como classificá-lo de outra maneira. Se tivéssemos uma licença poética (minha pretensão agora), poderíamos começar o filme com o menino Chico em uma roda de amigos, rodando pião. Quando dele se aproxima um homem, trajando roupas sóbrias. A câmera mostra o pião em derrapagem, os amigos de Chico dão no pé e este homem vaticinaria sobre a missão crística que o aguardaria em uma idade mais avançada. Isso não ocorre. Temos um menino presa de alucinações, visitado por mortos e maltratado por ser diferente. Mesmo que depois esta diferença se torne positiva, nunca poderemos saber a opinião íntima de Chico Xavier sobre os constrangimentos causados pela sua mediunidade. Temos sua opinião pública que sua missão só lhe trouxe felicidade, por prestar socorro aos necessitados e servi-los quando possível. Isto torna Chico Xavier uma personagem como outro qualquer, sem as questões que mesmo iniciados como Cristo talvez trouxessem. O filme A Última Tentação de Cristo retrata isto – as vacilações a que me refiro.

Chico é um predestinado. Nada poderá alterar seu caminho, nem mesmo a sua vontade. Caso ela existisse....

Os praticantes da autocomiseração enxergam nisso doação e outras milongas, os místicos babaquaras se esforçam por decifrar indícios de uma suposta iluminação para também atingi-la e a plebe espiritualizada aguilhoada pelos livros espíritas de baixa extração lidos em conduções tem sua lição de lhaneza para não se rebelar contra um sistema massacrador e escravizante. Como cordeiros caminham para os abatedouros, sem ousar importunar quem quer que seja com seus balidos. Certos da promessa de que em uma vida futura serão recompensados.

Uma outra dica. O filme pode ser visto pela ótica da exclusão. Porque Chico Xavier é a todo o momento excluído de suas relações: primeiro é obrigado a deixar a igreja que freqüentava; a sua cidade natal; a sua família e por fim a si mesmo para cumprir sua predestinação.

Como disse certa vez a respeito de outra personagem curiosa de meu bairro em uma conversa, em minha opinião, Chico Xavier é um homem seqüestrado de si mesmo.

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