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Mostrando postagens de julho, 2008

Alice Brill e A Solidão Humana

Alice Brill é uma pintora solitária. A afirmação pode parecer gratuita dita por alguém que não conhece a pintora alemã naturalizada brasileira, mas o que me assegura a verdade sobre esse meu ponto de vista é o contato com dois de seus quadros que refletem de modo definitivo o isolamento da artista e a sensação de estar trancada, incomunicável do lado de fora das coisas, sem estabelecer com elas um vínculo duradouro que possa esclarecê-la sobre o mistério da existência e das peregrinações empreendidas por sua sensibilidade em busca de um ponto de apoio para sua investigação. A primeira pintura é “Fachadas” em cores escuras, com formas longilíneas, imitando a parte de fora das edificações de uma cidade. A pintura geometrizada e desencontrada das formas conflitam sobre a superfície do quadro, sem nenhum diálogo entre as partes da composição que a rigor não teria o equilíbrio esperado de uma pintura formal sobre uma paisagem urbana; isso para evitar termos determinantes como a intromissão

John Fante Trabalha no Esquimó : Um Agradável Sopro Difuso

Sábado, 26 de Julho de 2008 Rogério Pereira, diretor e editor do jornal curitibano de literatura Rascunho, certa vez disse que a pior coisa do mundo é ter amigos escritores, ou conhecidos escritores. Claro, para um crítico literário. O motivo que Rogério Pereira alega é que se um crítico literário tem amigos ou conhecidos escritores, ele tende a mentir sobre o livro que está analisando, ou fala a verdade e perde a amizade. É uma encruzilhada, de fato. Mas não quando o amigo ou conhecido é um grande escritor. Meu caso, que sou conhecido, e imagino que agora já possa me considerar amigo, do escritor carioca Mariel Reis. Meu contato com Mariel começou através deste singelo blog, quando ele me enviou um e-mail elogiando um artigo que eu havia escrito sobre Raul Brandão. A partir de então começamos a trocar algumas idéias, alguns contos e Mariel me disse que tinha um livro inédito de contos, o qual me enviou para ler e dar meu parecer. Como na época eu estava pesquisando para minha monogra

Coculilo e a Repetição

A repetição paisagística na obra de Francisco Coculilo é parte de uma experiência sensorial com os elementos da composição. Quando a percebemos quase exaustivamente em seus quadros não atentamos que o pintor busca uma intersecção entre os elementos da pintura como para descobrir o real diante de uma cena adâmica: a Baía de Guanabara. Isso se assemelha a lição de Monet quando se debruçava sobre a natureza, estudando-a sob as variações luminosas, descobrindo as camadas de realidade que pode conter um mesmo espaço – ali onde a pintura se instalará – revelando a característica escultórica, me explico, as dimensões em que pode ser investigada, fornecendo ao artista não a mesma paisagem, mas um outro senso de perspectiva do natural. Porque quando a natureza é transferida para um suporte, sendo representada, está sofrendo uma transformação em seu conceito de natural, neste não há somente aquilo que o pintor vê – como um olho – coexistem nessa percepção uma interferência que transferirá ao ob

A Minha Dúvida como Escritor

A releitura de meus contos me constrange. Porque é outro o escritor que ali está, não sou mais eu, mas algum reflexo de mim mesmo congelado sob aquela ótica, naquelas linhas, coberto por inteiro por todas as frases escritas, protegido do frio dessa existência que acena somente para nossa extinção. É um escritor que reluta, não quer desaparecer e sente uma insegurança sobre os juízos que faz sobre as coisas, porque a realidade é movediça – como o nosso interior – onde muitas coisas estão mergulhadas, em uma grande sopa cósmica da qual resultará, isto com sorte, acertos sobre o mundo – aquele que se subscreve através de suas linhas – este interior abissal de onde o escritor se mira perplexo e não se vê. É outro o escritor – mal conversamos quando passamos um pelo outro pelos corredores dessa escrita; eu sigo, sombrio, desconfiado, lendo o que este escreveu sem muita convicção de que aquilo um dia forme um todo coerente, um muro com tijolos sólidos para a proteção do individuo feito de ve

Um Livro Imperdível

Este livro merece a nossa atenção. No centenário da morte de Machado de Assis... AUTORES ATUAIS REESCREVEM MACHADO DE ASSIS No centenário da morte de Machado de Assis, com organização do premiado contista, doutor em Letras pela Unicamp e professor universitário Rinaldo de Fernandes, a Geração Editorial lança a antologia Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos cem anos de sua morte, que, além de incluir os dez melhores contos de Machado, traz um conjunto de narrativas recriando esses dez melhores contos e passagens/situações do romance Dom Casmurro. São autores renomados, emergentes e jovens promessas da literatura brasileira atual que reescrevem Machado de Assis na antologia: Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Hélio Pólvora, Cecília Prada, Nelson de Oliveira, André Sant’Anna, Fernando Bonassi, Glauco Mattoso, Ivana Arruda Leite, Andréa del Fuego, Marcelo Coelho, Deonísio da Silva, Daniel Piza, Godofredo de Oliveira Neto, Bernardo Ajzenberg, João Anzanello Carrascoz

As Minhas Encarnações Queridas

A minha vida anterior – a minha encarnação passada – é uma incógnita. Uma amiga leitora me pediu para arriscar alguns palpites, porque seria curioso ver como me comportaria diante de um desafio dessa natureza, imaginar o que eu teria sido. Aleguei minha falta de imaginação, porque não conseguia me conceber de outro modo, diferente do que sou agora, o que já é uma incrível viagem se analisarmos toda a coisa por esse prisma. Por que tenho esse nariz? Os olhos quem os colocou dessa forma? Por que não tenho membros maiores – isso inclui trocadilhos infamantes, está certo, leitor querido. Então, comecei a curtir a idéia e seduzido pela proposta, resolvi me concentrar para chegar a regiões profundas do meu inconsciente – onde dizem estar todas as informações guardadas a esse respeito – para acessá-la, descobrindo a resposta para o pedido da leitora. Há teorias encarnatórias em que o individuo pode passar por várias fases: desde a mineral à humana. Aproveitei o gancho que elas possibilitam pa

O Erotômano Imperfeito

Texto escrito para concorrer ao prêmio Eu, Leitor(a) da revista Marie Claire As revistinhas de sacanagem não estavam mais na estante do armário. Isso era um bom sinal, se era. Decidi naquela manhã pelo meu bom mocismo. Eu não castigaria mais as imagens de homens e mulheres trepando para valer. Eu não assistiria mais aos vídeos eróticos enfileirados que formava toda minha coleção de obras erotômanas. Minha mãe não largava do meu pé, dizendo para eu arrumar uma garota, acabar com as reuniões que se estendiam até altas horas da noite, com a presença daquelas mulheres de papel, dois amigos que traziam também as suas e uma menininha safada do quarteirão fronteiro da casa – que às vezes facilitava para que minha mão tocasse seus peitinhos, coxas e bunda. Não era lá grande coisa, mas para um moleque não poderia passar em branco, me sentia Napoleão passando embaixo do Arco do triunfo após suas vitórias. Isso tudo um dia foi perdendo o sentido, talvez com o passar do tempo, a adolescência sendo