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Mostrando postagens de maio, 2014

A Lembrança mais bonita (conto de Mariel Reis)

            Ela perguntou-me qual era a lembrança mais bonita, a resposta emergiu de uma noite, distante demais no tempo para causar embaraço em nossa conversa. Ela morava fora, estava casada e tinha um filho. Reunidos em torno da mesa não tínhamos outro assunto a não ser nós mesmos e a consequência de nossas vidas. Havíamos feito o que podíamos dentro das regras de um jogo inútil cujo resultado, embora previsível, ainda surpreende.             A vida confortável para ela tornou-se uma monotonia, para fugir passou a ter amantes. Apenas uma distração, que outra vez, com o tempo, pontuava para a rotina. O marido  não a compreendia. Jurava-lhe amor e a verdade transparecia nas palavras balbuciadas por ele, ignorante das pausas e silêncios dela. Ambos escavavam, entre os dois, um  abismo , ela sentenciou. Não me ocorreu melhor palavra. Me desculpe, você é um escritor. Deve me perdoar pela minha simplicidade vocabular. Acho que a palavra adequada seja declínio, des

Movimento (estudo) trecho

I 'Eu passaria os dias no museu observando mamãe; os funcionários desconfiariam de meu desequilibrio, conversariam cautelosos com o garoto parado diante do quadro Mamãe no cozinha, procurariam não aborrecê-lo, temeriam uma síncope ou um esgotamento nervoso. O museu não quer escândalo, não quer estar em jornal por interromper um observador contumaz, um crítico nascente sob o efeito mirífico da obra de arte' MINHA MÃE era um quadro cubista. É uma informação, inclusive, sob ponto de vista da multiplicidade de perspectivas, perigosa. Em si prova que não a conheci; e se arrisco em afirmação contrária, conheci-a em parte. E em parte, isto quer dizer, na que me parecera mais lógica para minha compreensão; minha mãe, sem dúvida, estava ali, inteira, à disposição de quem quisesse vê-la e não lhe faltaria parte alguma se exigida uma exposição minuciosa de seu aspecto: cabeça, ombro, joelho e pé, como na brincadeira infantil. Não lhe estaria faltando nad

A Celeuma da Granja Comary

   'A posição privilegiada junto à imprensa torna nossos jogadores mais poderosos que diplomatas e ministros. Se a dimensão da mobilização contra o racismo fosse cooptada para a discussão dos problemas internos do país - relevante mundialmente por sediar a Copa -, teríamos escrito um capítulo considerável não somente com os pés dos jogadores dentro de campo' Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)    O lateral-direito da seleção brasileira, Daniel Alves, protagonizou uma campanha contra o racismo que se espalhou por todo o país quando reagiu ao episódio da banana atirada por um torcedor em um estádio europeu e esta foi comida pelo atleta em uma reação que repercutiu fortemente nas redes sociais, inspirando a campanha SOMOS TODOS MACACOS propagada pela agência de publicidade do jogador Neymar.    A solidariedade ao jogador e o ato de repúdio ao racismo nos campos de futebol provocaram ações desencontradas, polêmicas questionáveis. Embora importantes para o deb

Mato sem Cachorro

O alerta máximo das UPP's situadas nas comunidades do Rio Janeiro é indicativo de uma guerra. A guerra do Estado para convencer seus habitantes de que pode promover justiça, lazer e bem-estar social. De fato, parece que a cada passo para a conquista do Estado desses valores, há um retrocesso em sua maneira de introduzi-lo e, ainda, uma variação do entendimento do que é bem-estar entre o Estado e o povo. Talvez compreendendo esta significativa divergência, as autoridades envolvidas com a segurança pública dos cidadãos entendam que é uma prática equivocada esta paz armada estabelecida dentro dos morros e favelas cariocas.  O caso da auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira é o reflexo de que o Estado ainda não sabe servir aos seus cidadãos, confundindo-os com alvos de  sua ação violenta. O modo como agiram os policiais, nesse caso, revelou-se devido a intervenção de um desconhecido que, com o celular, filmou o grotesco da cena em que a mulher é arrastada pela viatura p

A pobre crítica literária do Brasil

   ' Outro “crítico” brasileiro desce às características psicológicas do escritor para qualificá-lo, se demente ou tarado, melhor. Elenca uma fieira de adjetivos gordos, evoca a vida miserável do infeliz como para canonizá-lo ' Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)    Literatura não é matemática. A crítica literária no Brasil é pobre.Exatidão, aqui, é termo literário. Quando nada se tem a falar do sujeito ou do livro escrito por ele, diz-se exato. Pazes feitas entre um (o crítico) e outro (o escritor): um porque descobriu o que dizer, já que não enxergou um palmo dentro da obra; outro, porque acariciado, levou o elogio por ter frequentado com atenção as aulas de redação. Ambos satisfeitos não se bicam. A mania de exatidão - a inveja das ciências exatas -, é tamanha que a bibliografia nas teses universitárias parece querer impregná-la de um rigor científico verificável como a prova real . O que não é verdadeiro. Exatidão não define boa ou má literatura. A funcio