O Vingador é Lento



‘O olho na busanfa das moreninhas, das loirinhas não é de hoje, nem dos bailes funk. Liga-se diretamente a discussão a questão racial do país, reforçada pelo sociólogo Gilberto Freire no epíteto: “Branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar”. Os gringos logo descobriram o tal negócio. Trataram da exportação da mercadoria. Uma mulata em cada lar, era o lema. E viva a mulata, a moreninha e ao Lan - que não tinha entrado na história’



Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)



Para José de Alencar os índios descidos dos céus mereciam herdar a terra juntamente com os portugueses. Os negros, conforme suas missivas destinadas ao imperador, precisavam ser civilizados. Um paraíso tropical de Peris, Cecis e Manoéis, eis o que habitava a cabeça do romancista, correndo peladinhos pelas faixas litorâneas, fazendo boas safadezas sob a sombra da vegetação abundante e para não desidratar, depois de tanto esforço, uma água de coco. Ninguém é de ferro. Plasmava-se o primeiro sonho racial das terras tupiniquins. Os gringos acreditavam tanto que a gente pelada aqui dos trópicos era da tal raça adâmica que os levaram para casar com as próprias filhas em suas terras longínquas e prósperas. Como não havia força policial para fiscalizar a terra, o tráfico humano rolava solto. E o índio, com o carimbo nas nádegas MADE IN BRAZIL, com as vergonhas de fora e penacho, chegava causando um fuzuê na Europa; inaugurava um Carnaval fora de época e antecipava o bum-bum-praticumbum- burungundum do Rio de Janeiro e a folia dos trios elétricos baianos e, ditando moda, o visual adotado pelos tropicalistas e por Carlinhos Brown.



Moreninha, moreninha, você sabe mexer... Defende o grupo É o Tchan, onde a loira Carla Perez e a morena Sheila Melo requebravam na boquinha da garrafa, acompanhadas pelo dançarino Jacaré e o compadre Washington. O olho na busanfa das moreninhas, das loirinhas não é de hoje, nem dos bailes funk. Liga-se diretamente a discussão a questão racial do país, reforçada pelo sociólogo Gilberto Freire no epíteto: “Branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar”. Os gringos logo descobriram o tal negócio. Trataram da exportação da mercadoria. Uma mulata em cada lar, era o lema. E viva a mulata, a moreninha e ao Lan - que não tinha entrado na história. Joaquim Manuel de Macedo, em A Moreninha, inspirará o Sargentelli e seu esquadrão do balacobaco de formosas moças cor de baunilha. Ula-lá-lá. Desconfio de que o romance inaugurou oficialmente o fetiche pela moreninha. Exportávamos aborígenes, estrangeiros se amasiavam com indiazinhas, por que não a moreninha entrar na dança? O canibalismo rolava geral, em sentido figurado. Todo mundo comia todo mundo. E muita gente recorreu à Igreja e à Inquisição para não perder o fiofó. Salve Ronaldo Vainfas! Salve! O Brasil é um país curioso em que coisas aparentemente desconexas falam uma mesma herança histórica.



O berimbau metalizado e o samba do crioulo doido tudo ao mesmo tempo agora. Sertanejo é homem forte, cantava o samba de mil novecentos e setenta e seis. O sertão do positivista Euclides da Cunha. Não era bonito, mas entrou na moda: artes plásticas, cinema e literatura. A geração de 30. Bagaceira. Pouco prestava ou nada. Dois ou três livros, no duro, na batata. Batata ali não dava; macaxeira mesmo. Virou enredo de escola de samba. Outro ator social no palco da assistência social do Brasil. O sujeito não era simpático, macunaímico, como o malandro Grande Otelo. No entanto, era UM SUJEITO. Não era para tanta sujeição SUDENE: perene. Pespego e pontuo em meus livros, casmurro, que o Brasil não se (re) inventa: se repete, miseravelmente; nos entrementes, nas dobras da História. A mocinha para no farol com a bolsinha, menor – Tom Zé, Baixio das Bestas – vocifera que a carne mais barata do mercado não é apenas a negra, é a brasileira. O pregão continua feroz: coxa, lombo, peito no açougue a céu aberto do país. Um sujeito, o tal homem cordial abre a porta do automóvel, combina o preço e outra vez – Valha-me GIAMBATISTA VICO – o recomeço. O vingador é lento.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Iberê

EXERCÍCIO

O caso Alexandre Soares Silva