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Mostrando postagens de outubro, 2009

Amor e Ditadura

Carta do leitor Jurandir de Oliveira para o concurso da revista Marie Claire sobre o tema: Encontrei o meu amor de maneira inesperada. Naquele tempo eu era um rapaz sem pretensões. Trabalhava como bancário em uma agência no centro da cidade, torcia pelo América Futebol Clube e tinha preocupações com o país – era o ano de 1972. O Brasil vivia o auge da ditadura. As perseguições eram comuns, o Comando de Caça aos Comunistas agia livremente prendendo e torturando inocentes em busca de informações sobre pessoas que conspiravam contra a segurança nacional; a Rua da Relação mais movimentada que nunca: um entra e saí de camburões carregados de rostos que não se veriam mais para desespero das famílias. Qualquer indício de uma reunião suspeita nos apartamentos era investigado e se constatado de que se tratava de assuntos políticos a complicação aumentava. A cor vermelha proibida expressamente por estar associada aos comunistas, socialistas e grupos afins. Nisto enc

Opinião Sobre Minha Arte Poética

Um jovem poeta brasileiro, radicado no exterior, emitiu o seguinte juízo sobre a minha poesia em Cosmorama: "Seu trabalho apresenta em muitos momentos uma boa formação lírica, com uma dicção cristalina,algo que me lembra uma bela poeta como Henriqueta Lisboa, por exemplo." Agradeço desde já, apesar dele ter declinado à época o convite para fazer o prefácio dos poemas, com delicadeza e honestidade. Por este motivo os poemas abaixo, porque desde que recebi o comentário, me pus a verificar se de fato correspondia a realidade o que o poeta havia afirmado. E para meu espanto, percebi que sim. A postagem dos poemas de Henriqueta Lisboa descentraliza e amplia o leque de vozes poéticas que se restringe sempre aos mesmos nomes: Cecília Meireles, Adélia Prado e Hilda Hilst. Vez por outra uma voz contra-corrente como a de Elisabeth Veiga surge para acabar com o coro dos contentes. Meu muito obrigado ao poeta que se não me pediu sigilo sobre suas palavras e não me proibiu que as divu

3 Poemas de Henriqueta Lisboa*

Noturno Meu pensamento em febre é uma lâmpada acesa a incendiar a noite. Meus desejos irrequietos, à hora em que não há socorro, dançam livres como libélulas em redor do fogo. Publicado: Prisioneira da Noite (1941) Séquito Seguir o rei por toda parte antes que a coroalhe caia Publicado: Reverberações (1976) Expectativa Neste instante em que espero uma palavra decisiva, instante em que de pés e mãos acorrentada estou, em que a maré montante de meu ser se comprime no ouvido à escuta, em que meu coração em carne viva se expõe aos olhos dos abutres num deserto de areia, — o silêncio é um punhal que por um fio se pendura sobre meu ombro esquerdo. E há uma eternidade que nenhum vento sopra neste deserto! (De Prisioneira da Noite, 1941) *Sobre sua poesia, Drummond nos deixou o seguinte testemunho: “Não haverá, em nosso acervo poético, instantes mais altos do que os atingidos por este tímido e esquivo poeta.” Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/hlisbo00.html#bio

O Restaurante

Para Joseane, que me deu o mote para o continho ligeiro. Era horário de almoço. Ligou para pedir um dos pratos do cardápio. Ela estava indecisa. Discou o número telefônico indicado no folheto, a voz do outro lado da linha atendeu: “Em que posso ajudá-la”. Emudeceu por não reconhecer a voz da atendente, sempre ligara para pedir a refeição a mesma hora, não variando nunca, de lá aquela voz saía alegre, jovial e feminina, agora substituída por esta, masculina, imparcial e fria. “Gostaria de pedir um prato, vocês ainda estão entregando?”. Do outro lado, a voz pigarreou, uma tosse leve interrompeu a resposta. Não encontrando meio para responder, sem trair o sigilo e a discrição, não titubeou: “Sim, estamos entregando ainda. O que vai querer”. “Estou entre Frango a passarinha e filé a cavalo”, a mulher, pelo tom, hesitava. O atendente tinha visto muitas coisas na vida, mas aquela lhe parecera a mais absurda: porque as pessoas agiam daquele modo para pedir um serviço tão simples? Ele mesmo,

Congresso de Lágrimas

O velhinho patriota do apartamento 305 estende a bandeira brasileira do lado de fora da janela. Todos os dias ao acordar, eu ouço todo o hino nacional, entoado com respeito e devoção, impressionado pela capacidade da memória do velhinho que não erra uma única frase, nem desafina. Quando o encontro no elevador, ele me diz que na escola cantavam todos os dias, que sua afinação vinha desde garoto, que aquilo tinha se incorporado à sua vida, que a única vez em que ficou impedido de cantar o hino foi no exército, porque era corneteiro, mas quando estava no banho, praticava sem parar, fazia jogos mentais com as estrofes, avançava o ritmo ou mudava o andamento para mais lento, como um bolero. Dizia isso com uma expressão de felicidade nos olhos. Do lado de fora do prédio, víamos a bandeira tremulando. Patrioticamente, ele juntava os calcanhares para ficar o mais ereto que conseguisse e fitava com os olhos o além, prestando continência aquele símbolo que amava mais que tudo. - Quando minha m

Cidadãos de 2ª Classe.

2ª Classe. Cidadãos de segunda classe. Assim definiu o Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, quando denominou que o conflito que preocupou a todos neste último fim de semana, se deu em uma microrregião. Traficantes do Morro São João invadiram o Morro dos Macacos para tomar bocas de fumo. As drogas ainda dão dinheiro? Com a preferência dos mauricinhos e patricinhas pelas drogas limpas - entenda-se químicas - os usuários de cocaína e maconha ganham,pelo menos no meu entendimento, o status de anacronismos no corpo social. Então, por que a guerra? Os playboys tem self- service para entrega dos entorpecentes em seus apartamentos ou têm amigos que arrendam bocas de fumo para servirem aos companheiros de classe sem que isso implique em risco - como já foi noticiado pela imprensa sobre um jovem da zona sul que arrendou em um morro carioca um ponto de venda de droga. A minha preocupação não está na guerra, porque durante todo tempo em que vivi na Zona Norte do Rio de Janeiro semp

Escritores Imperdíveis

Ariosto Augusto de Oliveira Livros de conto: - Na Mão Grande; - A Noite do Galo Doido; - Comandante Gravata. “O que estarão escrevendo os escritores, hoje? A imprensa lhes dá a cobertura que dava nos anos 70? Não. Não sabemos de quase nada pela imprensa. Nossos cadernos literários estão, com as exceções de praxe, ocupados pelos mesmos minimalistas de sempre. Os bandidos, enquanto isso, trabalham Na Mão Grande – título, aliás, de um dos livros de Ariosto Augusto de Oliveira, um grande e desconhecido escritor paulista que, à semelhança de outros, paulistas e de outros estados, continua ignorado.” Deonísio da Silva Escritor e professor da Universidade Federal de São Carlos, doutor em Letras pela USP. Seus livros mais recentes são o romance Os Guerreiros do Campo e De Onde Vêm as Palavras . Antônio Olavo Pereira Novela: - Contramão “A estréia em livro aconteceria em 1950, com a novela Contramão, laureada no ano anterior com o Prêmio Fábio Prado, um dos mais importantes da época. A obra me

O Rio de Janeiro e as Olimpíadas

O oba-oba das Olimpíadas angariou mais uma adepto: o apresentador e jornalista Ricardo Boechat. Hoje pela manhã, no programa da Band News FM, Ricardo Boechat após comentar o incidente ocorrido na estação de trem de Nilópolis, localizada na Baixada Fluminense, com objetividade e inteligência, cobrando uma ação do governador Sérgio Cabral que acusou os trabalhadores de vandalismo, devido ao quebra-quebra que culminou com o incêndio de uma composição do trem da mesma linha devido ao descaso com o serviço e aos atrasos nos horários estabelecidos pela própria Supervia. Boechat criticou o sistema de transporte público do Rio de Janeiro, teve adesão de ouvintes do programa que enviaram e-mail's para concordar com os problemas apontados pelo jornalista e desancando o Governador que acusou de vandalismo os trabalhadores que ambicionavam somente chegar aos seus trabalhos para cumprir sua jornada diária e voltarem para casa naqueles mesmos trens onde são desrespeitados. Não se pode esquecer

Outra História Sobre Hanisch.

Para Joseane e Aurea Hanisch era um homem jovem. O futuro não lhe passava pela cabeça, a não ser como uma leve sombra, mas sem causar incômodo. Trabalhava em um sítio como jardineiro. O espírito afeito à beleza rendia-lhe elogios, devido ao bom gosto com que mantinha seus canteiros. Não se inquietava com os problemas, então nada lhe turvava o caminho. O sítio em que trabalhava era uma propriedade antiga na vila. A severidade do proprietário era admirada e temida e todos se espantavam porque a natureza cordial do jardineiro nunca havia se chocado com o temperamento agressivo de seu patrão. Todos louvavam a paciência com que o jardineiro se conduzia, desviando-se dos entreveros e sabiamente concordando com aquilo que o destino lhe reservara, mesmo que avaro. O pendor artístico de Hanisch era observado com desprezo pelo proprietário do sítio. Quando seu jardineiro não estava por perto, procurava destruir-lhe o capricho, como se aquilo representasse uma afronta pessoal a ele, como se aquel