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Mostrando postagens de novembro, 2007

De Mal com o Mundo

Dedicado a Aurea Meu amor acordou irritado. Os chinelos apertavam demais os pequeninos pés, remancheava uma mecha do cabelo, porque estava uma palha, precisava urgente de cabeleireira e manicure, máscara anti-rugas, depilação, não agüentava se ver com aspecto tão feio implorava para que eu me virasse, não ousasse tocá-la, porque tinha colocado em dia as aulas de defesa pessoal e me arrependeria profundamente. Não adiantaram meus apelos de que estava tão bonita, nem as minhas comparações poéticas, tentando convencê-la da beleza única que tinha. Deu muxoxo. Sentou-se na beira da cama. O roupão de banho deixando ver à ponta dos joelhos, tão brancos, tão lindos. Os cabelos umedecidos escapavam da toalha que formava uma touca, os lábios avermelhados tinham a mesma coloração das bochechas em estado de excitação, preocupadas com o que seria de si mesma se fosse vista como estava, seria uma vergonha. Meu amor acordou irritado. Cansada de ser morena, optou por ser loura. Botou vestido justo, de

Leitor, Abominável Leitor?

A recorrência a entrevista de determinados autores é sempre uma ferramenta útil para compreender o processo no qual se envolvem quando se decidem criar, nisto expõem os mecanismos de sua ficção, mostrando o comportamento diante da página em branco, dividindo com o leitor a sensação de desamparo quando não conseguem realizar como pretendiam o trabalho em que estavam envolvidos. A Revista Malagueta – revistamalagueta.com – um sítio virtual que acolhe parte da produção literária contemporânea, abriga uma série de entrevistas que juntam dois escritores, geralmente de tendências diferentes, submetendo-os a um questionário elaborado pela equipe do sítio, levando em conta as idéias de Zadie Smith, escritora inglesa, autora do ensaio Fail better. A surpresa destas entrevistas é o menosprezo com que a maioria dos escritores trata a figura do leitor, chicoteando-o para fora de suas ambições, eliminando a concepção do leitor implícito, de Wolfgang Iser, que defende que há uma parceria criativa en

Reflexões Sobre A Literatura Brasileira Contemporânea

A literatura brasileira contemporânea sofre de anemia. Este diagnóstico é o menos pessimista, poderia se dizer que padece de uma doença terminal: a PRESUNÇÃO, que em poucos dias dizima o corpo do paciente, mas não quero ser um alarmista, porque de alguma forma estou incluído no conjunto de que falo, não podendo me furtar a reflexão crítica, mesmo que amarga. A reflexão teve como ponto de partida a leitura de três livros de jovens autores recém – lançados. Um gaúcho e os outros dois cariocas. A minha primeira estranheza: os livros têm uma mesma dicção. Parece que com a internet, a rapidez de comunicação por meios tecnológicos, às questões regionais tanto da língua como da cultura estão indo por água abaixo, ou estão em um plano bastante inferior, porque não são levadas em conta no fazer artístico dos novos autores. A referência a este fator se deve a leitura do romance do autor gaúcho que se tivesse sido escrito em Bombaim não faria a mínima diferença, porque não há um traço identificad

Carta Para Tobias

Alguns romances possuem premissas excelentes, contando apenas consigo próprios dariam livros inesquecíveis, talvez clássicos que nos acompanhassem por toda uma vida, mas concorrendo com a colaboração de determinados escritores, arriscam-se a ser mal – escritos, às vezes aquém do que mereceriam, se pudessem contar com uma geração espontânea, aparecendo como mágica nas prateleiras das lojas, nas estantes das bibliotecas, e, na escrivaninha das casas. Digo isso por ler um romance estrangeiro que me havia impressionado bastante com a propaganda em torno dele, mas o fator principal era de que pertencia a um escritor experiente, alguém premiado, contando com uma fortuna critica de dar inveja, entretanto com o aproveitamento quase zero no desenvolvimento de sua estória. Talvez diga isso por me ocupar da leitura como um objetivo principal, e durante o seu ato, reescrever muitas das vezes o livro lido, com as possibilidades desprezadas pelo autor. Acredito que todo o leitor tem a obrigação de u

Capitulo I

A pelada era todo fim de semana. Sábado pela manhã a rapaziada se reunia, formava o time, distribuíam-se as camisas, escolhia-se o lado do campo no cara ou coroa, o jogo começava. Só que a coisa não era tão simples à primeira vista. A primeira etapa era tranqüila, percorria-se a rua, chamando-se de casa em casa os interessados na pelada. Muitos apareciam nas janelas estremunhados de sono, pedindo um pouco de paciência que em instante se arrumariam, se juntando a procissão, quando não deparávamos com algum cão danado por canelas moças, disposto a lidar com as peraltices da turma. Superada esta fase, chegava à hora de se distribuir as camisas, isso que dizer escolher o time. A zoada maior era neste momento, porque não se queria pernas de pau em nenhuma parte do campo, exceto no gol, porque ali atrapalhavam, menos. Parecia um pregão de feira quando se discutia por um e não por outro moleque, citavam-se as qualidades e defeitos como justificativa para a opção, algumas vezes beiravam a ofen

Os Objetos se Desesperam?

Semana passada a orfandade do livro esquecido por um rapaz me levou a uma reflexão inconseqüente, que julguei interessante no principio, mas agora duvido um pouco sobre a importância que teve quando comecei a engatá-la em meu pensamento, porque me sentia incapaz para responder aquela pergunta que rondava o meu cérebro, insistindo em ser decifrada, abandonando a sua condição se enigma, esvaziando-se da importância que eu lhe atribuía, será que os objetos abandonados sentem desespero? Quando o livro ficou sobre a mesa do restaurante, esquecido pelo rapaz, se ressentiu por não ter mais o calor do dele sobre suas páginas? Não teve medo em cair em mãos alheias e ser mal utilizado, talvez rabiscado, rasgado, jogado em uma lixeira, como um detrito qualquer. A idéia me ocorreu depois que percebi a situação de desamparo de um longo guarda - chuva negro, largado em um banco de ônibus, esquecido ali pela pressa de seu antigo proprietário, cabo de madeira recurvado, anelado, gasto pelo contato das

Orfandade

O rapaz retira do bolso o exemplar do meu livro. Carrega no lugar da carteira. Se alguém tentar bater-lhe o livro não ficará triste, porque de certa forma estará prestando um favor ao ladrão, a intenção de alfabetizá-lo, instruí-lo mais sobre o mundo que o cerca. Se eu fosse o ladrão me desgostaria profundamente, porque livros não têm o capital necessário para se pagar à conta de luz no fim do mês, o máximo de combustível que dão à vida de alguém é o sonho, e, para alguém do mundo de hoje há maneiras muito mais diretas de entrar em contato com o mundo onírico do que folhear as páginas de um volume insosso. Não comunico ao rapaz minha impressão sobre a sua espécie de ajuda social ao ladrão, colocando o livro no lugar em que habitualmente ficaria a carteira; não quero contribuir para aqueles longos discursos que muitos leitores desenvolvem a respeito de uma certa humanidade espezinhada, não compreendida por nós, que pede a aceitação de suas diferenças, que implora socorro, que simplesmen

A Primeira Lição : A Vida

(Sobre a descoberta da doença e o estado de confusão psicológica) - Mariel, hoje eu saí à rua. Não pude evitar em sentir inveja. Até me reprovei por ter um sentimento assim, mas não deu jeito. Olhava os casais, as crianças brincando, os vizinhos lavando o carro, tudo o que eu sentia era inveja, porque eu não poderia viver mais? Porque está doença se arrastava sorrateiramente dentro de mim? Por quê? – Era o que eu me perguntava. Não estava acreditando que a morte tinha se infiltrado dentro dos meus músculos. Nem que agora forçava passagem para penetrar na minha mente. Aqui ela não pode morar, disse a mim mesmo, não posso hospedar a dor durante tanto tempo, não quero. Tento me distrair, volto minha atenção para outro lugar, para outras coisas, mas nada me parece mais urgente que a idéia da morte, como essas notícias que antes pareciam presas em algum lugar distante ganharam vulto ultimamente. Agora tudo parece colado em mim. Mesmo a morte mais insignificante. (Sobre a angústia por encont

Pensamento (Des)Norteador

"Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca." Darcy Ribeiro

Perfis Brasileiros VI

Dedicado a Juju Grete foi comprada numa loja de artigos usados. Era uma boneca em tamanho natural. Custou apenas quinze pratas. Estava entulhando a loja, segundo a vendedora, se tiver criança ela ficará feliz com o presente, finalizou. Pegou o dinheiro. Como se tivesse esquecido algo, voltou para perguntar se queria que embrulhasse, disse que não, levaria para casa assim mesmo. Chamei um táxi. Não poderia ir de ônibus para casa, talvez estranhassem. O taxista não se mostrou surpreso, indicou que a corrida com aquela bagagem teria um acréscimo no valor : dez por cento sobre o preço da bandeirada. Senti que me roubava, mas não me arrisquei a arrumar confusão. Durante todo o caminho espiava meu comportamento, talvez não compreendesse minha solidão, estranhava minha relutância em chamar uma prostituta ou procurar uma guria para casar, afinal eu era novo, tinha boa aparência, conforme notava o taxista pelo retrovisor. Não dei importância, só queria chegar logo, Grete não mostrava sinal de i

Perfis Brasileiros V

A minha inscrição no inferno tinha alguns dígitos. A roupa não combinava com a ambição de me manter impecável para as mocinhas, nem os chinelos me emprestavam o ar de rei quando eu atravessava o corredor em direção à cela, mas nem por isso fiquei abatido. Não poderia, a peteca não pode cair e faz parte do jogo.Desde bem cedo, eu sei, o negócio é doido, mas não vou intrometer gíria nesse relato, estou me alfabetizando, a liminar que meu advogado impetrou, convenceu os “home”, agora freqüento o banco escolar, sem intenção nenhuma de fugir, isso é sincero, meu chapa. A vida lá fora não tá moleza, pelo menos aqui não pago aluguel, tenho, como se diz por aí, casa, comida e roupa lavada. Liberdade é um detalhe que a gente corrige, sempre que se pode chegar à janela, mas quem me garante que quem está lá fora é realmente livre? São por essas e por outras que vou mantendo a disciplina, ficando quietinho no meu canto, sem arrumar problema com ninguém, por mais que eles às vezes me procurem. Ten

Em Busca do Editor Perdido

Faz algum tempo que foi noticiada minha busca por uma editora... Enviado por Augusto Sales - 10/5/2007- 19:15 O labirinto Marielesco O amigo Mariel Reis liga para dizer que está finalizado seu mais novo livro, um micro-romance, como ele mesmo definiu. Segue abaixo um fragmento do livro. O Presente Por Mariel Reis A mulher começou a desfiar-se. Destrançou o pé esquerdo. Não havia percebido o quanto era bonito, enamorou-se por ele, chegando a niná-lo. Quando deu por terminado o trabalho, cortou com a tesoura o pequeno novelo formado pelos fios do pé e o guardou numa pequena caixa aveludada. Recomeçou o trabalho na manhã seguinte. Colocou na caixinha a perna direita e esquerda; os quadris; o púbis; os braços enfeitados e o cabelo perfumado. Restavam de fora as mãos e os olhos como uma pequena fantasmagoria. Batidas na porta, era Ele. Correu para a mesa onde estava posto o jantar. Havia um jarro com flores e um pequeno cartão :“Feliz Aniversário.”Ele, descuidado, não percebeu o presente.